São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Troca de modelo

KLAUS HOFFMANN
FRANK A. LINDEN

KLAUS HOFFMANN; FRANK A. LINDEN
DA "MANAGER MAGAZINE"

Eberspaecher trabalha com a Calsonic Corp., do Tennessee. Eles pretendem fornecer em conjunto o sistema de escapamento para a nova fábrica da Mercedes em Tuscaloosa.
O fabricante de radiadores Behr, de Frankfurt, fechou uma aliança que o capacita a ofertar simultaneamente todo o conjunto dianteiro (radiador, condensador, refrigeração, ventoinha, faróis) com o cockpit.
Os grandes do ramo ainda pensam em outras dimensões. Uma equipe de trabalho formada recentemente por Krupp, ITT e a fábrica de componentes da VW em Braunschweig desenvolve o chamado conjunto de transmissão (eixo dianteiro, freios, motor, câmbio, dínamo e direção), que representa aproximadamente um terço do carro.
Não faltam estratégias para escapar do vale da morte. Fabricantes de autopeças variadas apostam tudo numa só cartada, retificam seu portfólio e aumentam o seu faturamento na área de negócios prioritários.
Desta forma, em 1994 a empresa Happich passou o setor de revestimento de pára-choques e revestimento lateral à especialista em plásticos Phoenix, de Hamburgo, e assumiu a concorrente Fibrit.
Os novos concorrentes: keiretsus europeus
Em contrapartida, os hanseáticos arredondam seu portfólio. Para tanto, eles exigem filiais produtivas em localidades baratas como a Hungria e fecham parcerias de desenvolvimento. Em vez de olhar somente para a ponta da pirâmide, eles querem estar representados em todas as partes no novo conceito de três categorias, composto por fornecedores de sistemas, especialistas em componentes e fabricantes de autopeças.
Os fornecedores se preparam para uma nova ordem de produção, descrita por Wildemann como "sistema keiretsu europeu": como os japoneses, os grupos de montadoras querem ter o controle absoluto sobre todo o processo de valor agregado, sem entrelaçamentos de capital com os seus fornecedores.
Primeiramente, as montadoras reduziram os preços por meio de compras em nível mundial, eliminado, assim, os fornecedores mais fracos. Em seguida, enviaram equipes de auditoria às fábricas desse ramo antes tão misterioso. E, finalmente, vieram os ajudantes que vasculharam cada recanto das fábricas à procura de reservas de produtividade.
Com isso, o terreno ficou preparado para amarrar cada vez mais intensamente determinados fabricantes de autopeças à montadora: por meio de "single sourcing", "simultaneous engineering", contratos "lifetime" e instalações de montagem na planta dos fabricantes de veículos.
Já em 1984, a Keiper-Recaro tomou a dianteira com sua fabricação de bancos integrada, na fábrica da Mercedes em Bremen: mais tarde, seguiram-se a Rockwell Golde, Zeuna Staerker, Ecia e muitas mais.
Esse já é um começo. Praticamente todos os fabricantes exigem que os fornecedores de sistemas assumam a montagem de seus grupos de conjuntos nas linhas de montagem das montadoras. Dessa forma, a Opel quer simplesmente reduzir pela metade seu próprio tempo de fabricação.
E os grupos de montadoras já planejam o próximo grande salto. Elas liberam para "outsourcing" a linha de montagem, o âmago de seu negócio.
Assim, o cenário VW prevê futuramente a venda das carrocerias brutas à empresa de pintura, que, por sua vez, revende o chassi impecavelmente processado à VW. Dessa forma, a VW se livraria de todos os riscos de qualidade e custos inerentes a esse segmento.
Naturalmente, as maiores reservas de produtividade não estão na fábrica, mas na combinação de peças similares, quantidade de peças e "simultaneous engineering".
Quando os fornecedores já participam da fase de concepção de novos modelos, os prazos de desenvolvimento podem ser reduzidos drasticamente -em média, de mais de 50 para menos de 30 meses. Além disso, eliminam-se os constantes desejos de mudança das montadoras, até então um dos fatores de maior crescimento dos custos. Se a isso acrescentarmos que peças como dínamos, tanques ou pistões não precisam ser reinventados para cada variante de modelo, teremos uma economia adicional de 40% ou mais.
É por esse motivo que a Ford só quer fabricar "carros mundiais" e, nas próximas trocas de modelos, a VW quer reduzir seu total de 17 plataformas (inclusive Audi, Seat e Skoda) para 4.
As peças de montagem da plataforma serão agrupadas em conjuntos funcionais. Os fornecedores, em equipes, vão desenvolvê-las de tal forma que poderão ser facilmente conjugadas e montadas em muitos tipos de veículos a baixo custo (Design for Assembly/Design for Manufacturability).
Segundo a opinião dos técnicos da Opel, as novas peças assim otimizadas possibilitam 82% de economia. Em abril, Carlos Mazzorin, responsável pela área de compras da Ford em nível mundial (US$ 50 bilhões), apresentou a seus fornecedores um duro catálogo de exigências: futuramente, terão de oferecer peças novas com preços e condições 50% melhores.
Não é de admirar que a BMW não ache graça em negociações de preços no estilo antigo e, em vez disso, lance seus fornecedores a "concorrências de conceitos": o novo lema é a formação de valores para o cliente, em vez de custos objetivados. Afinal, o que são 3% a 5% de economia anual de custos comparados à redução do número de fornecedores, que promete cooperações de desenvolvimento e estratégias de peças similares?
A batalha pelo mercado mundial de automóveis, que, como toda a indústria madura, só conhece queda de preços, não se trava só entre Opel e VW, Toyota e Ford. Cadeias inteiras de valores agregados concorrem umas com as outras.
Na Alemanha, ainda se engana mais do que se gerencia. López e seus "rambos de compras" ainda dominam o cenário.
Para poder fornecer em sincronismo com a produção, muitos fabricantes de autopeças, que fornecem "just-in-time", ainda confiam em armazéns-pulmões. Macht, da Porsche, vê em todos os cantos "enormes estoques circulantes. A consequência: entre as condições contratuais das montadoras e a realidade dos fornecedores existe um abismo. E é neste abismo que costumam cair os resultados operacionais dos fabricantes de autopeças.
Nesse caso, em geral nem os inúmeros programas de otimização dos grupos automobilísticos ajudam. Os fornecedores maiores precisam contar com interferências das montadoras já a cada trimestre: mal saiu o pessoal Picos da Opel, fazem-se anunciar os homens de López (KVP2), os especialistas em auditoria da Ford ou os "support-teams" da Mercedes (Tandem). E todos querem seu momento de glória.
Nesse clima, muitos fornecedores já se transformaram em verdadeiros ilusionistas: a cada nova equipe de desenvolvimento das montadoras, eles apresentam verdadeiros simulacros.
Linhas de produção perfeitamente sincronizadas são de novo temporariamente aparelhadas com armazéns-pulmões, ou a remodelação de unidade de montagem, já planejada, é retardada até o último otimizador inspecionar a fábrica.
"Por esse motivo, nosso pessoal já nos considera um tanto irresponsáveis", reclama o gerente de uma fabricante de autopeças. "Mas se quisermos continuar no negócio com a Opel e a VW precisamos apresentar esse show".
Pior ainda: as receitas de López, que introduziu primeiro os programas de cooperação, revelam ser, cada vez mais, apenas barulho e fumaça. Numa reunião da Siemens na cidade de Prien, o basco foi literalmente vaiado por suas palavras vazias.
"O efeito de seus workshops é igual a zero", relata um íntimo conhecedor da Siemens. Há alguns anos, a coisa era diferente; ainda em 1991, a divisão Automóveis da empresa produzia vídeos de treinamento em conjunto com López.
A desilusão também campeia na VW. Assim, por exemplo, López bombardeou a fábrica VW de Braunschweig com mais de 200 workshops, que resultaram numa economia de menos de 9 milhões de marcos. Agora, o desiludido pessoal de Braunschweig assumiu o controle da situação: por conta própria eles querem eliminar, já na primeira penada, custos da ordem de 42 milhões de marcos.
Estranhos contratos da VW
Para a maioria dos fornecedores, entretanto, o fantasma López ainda é uma realidade. Atualmente, eles precisam assinar novos contratos "lifetime" e "longtime". As condições se baseiam em fornecimentos para todo o período de produção de determinado modelo; porém, "a VW tem o direito de cancelar imediatamente qualquer peça, sem nenhuma obrigatoriedade de indenização".
Mais uma vez, o mundo dos fabricantes de autopeças se divide entre empresas que se curvam aos ditames de López e as que se defendem. As que se rebelaram já estão suficientemente fortalecidas para exigir contratos melhores.
Com isso, no entanto, a era López chega ao fim. Porém, os fornecedores que o conflito com o basco e seus imitadores deixou enxutos e treinados contam, somente na Alemanha, com novos pedidos no valor de mais de 20 bilhões de marcos nos próximos anos.

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