São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Fidelidade ao passado

OSIRIS LOPES FILHO

Outro dia, no meio de uma entrevista coletiva à imprensa, após ter feito uma crítica severa à proposta de emenda constitucional encaminhada pelo Executivo Federal ao Congresso Nacional, um repórter perguntou-me: "Afinal, professor, não há nada que se salve no que o presidente Fernando Henrique Cardoso propõe, em matéria tributária?".
Devo confessar que o repórter pegou-me no contrapé. Fui obrigado a pedir um tempo e reler toda a proposta. Só então assimilei dois pontos que considerava positivos: a regulamentação da quebra do sigilo bancário e a manutenção da competência da União de instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).
Depois, fazendo com mais calma um reestudo da proposta, verifiquei que se salvam somente esses dois assuntos.
O restante da proposta, sem dúvida alguma, caracteriza violência praticada contra a segurança jurídica do contribuinte ou atentado à autonomia dos Estados, principalmente aqueles de economia mais fraca, que teriam enfraquecidas de forma decisiva as suas finanças públicas.
Justiça seja feita. Em uma questão o presidente foi, finalmente, fiel aos seus compromissos do passado de político social-democrata: a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, segundo a nova redação do artigo 153 da Constituição.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, quando era senador, apresentou um projeto de lei complementar que tinha como objetivo disciplinar tal imposto. Portanto, nessa época de tantas mudanças e merculiaridades, a sua fidelidade ao IGF é incontestavelmente elogiável.
Há uma grande pressão no sentido da supressão da possibilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas. Para os que estão na planície e no deserto patrimonial, não há tributo mais justo. Jamais alcançará, como todos os outros, a classe média e os trabalhadores.
A exigência constitucional de que a incidência se dê não apenas sobre as fortunas, mas sobre as grandes fortunas, exclui do campo da aplicação do tributo os deserdados e os remediados patrimonialmente.
Um cético perguntará: como se poderá determinar o que é grande fortuna? O estabelecimento do que é uma grande fortuna, hoje, é uma coisa perfeitamente factível.
Com efeito, a partir da declaração do Imposto de Renda de 1991, a declaração de bens do contribuinte passou a ter o valor atualizado em Ufir. Abandonou-se o preço histórico, corroído pela inflação, praticando-se um valor atualizado.
Embora se admita ter havido algumas distorções na fixação do valor atualizado, a realidade é que se tem, agora, disponível um material que possibilita classificar os patrimônios dos contribuintes do Imposto de Renda, em função de preços que se aproximam dos existentes no mercado.
O que se espera é que o presidente FHC utilize a maioria parlamentar, que o apóia e que tão esmagadoramente proscreveu os monopólios estatais, para acelerar a tramitação e aprovação de lei complementar que crie o Imposto sobre Grandes Fortunas.
O outro ponto positivo é a tentativa de propor uma disciplinação do sigilo bancário, por alteração do artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição, de sorte a possibilitar o regramento, por lei, do acesso das autoridades tributárias às informações sobre as operações financeiras do contribuinte.
Note-se que a quebra do sigilo bancário, segundo tal proposta, não será feita irrestritamente. Obedecerá ao estabelecido em uma lei que assegurará o devido processo legal no acesso a essas informações.
Se esse louvável par de propostas não tiver sido influenciado pelo espírito de Pilatos ou não tiver o papel de "bode" vai possibilitar um debate que os interesses de poderosos sonegadores do país têm transformado em tabu.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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