São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Política industrial para o setor automotivo

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS; GESNER OLIVEIRA; ROGÉRIO MORI

MP do setor automotivo ilustra o esforço do governo em aprofundar a abertura da economia
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, GESNER OLIVEIRA e ROGÉRIO MORI
A política industrial contida na medida provisória (MP) do setor automotivo tem sido, por vezes, alvo de críticas que não se sustentam numa análise mais aprofundada. Os parágrafos seguintes discutem os principais argumentos.
1) O programa automotivo é discriminatório ao favorecer um segmento em detrimento dos demais.
A seleção do segmento automotivo está associada a características peculiares do setor. A indústria automobilística tem peso significativo (11% do PIB industrial), gera mais de 700 mil empregos diretos e indiretos e contribui com cerca de US$ 3 bilhões em impostos federais, além de gerar fortes efeitos de encadeamento sobre o conjunto da economia.
Representa, ademais, setor em que o país adquiriu posição estratégica: passou de 12º produtor mundial em 1991 para 9º em 1994, com a produção de 1,58 milhões de unidades, nível próximo ao de produção da indústria inglesa e superior ao da italiana.
Destaque-se que o segmento apresenta forte tendência de integração mundial, geração de economias de escala e preponderância de lançamento de produtos mundiais, para os quais o acesso a insumos baratos e a otimização do processo produtivo em escala internacional são fatores determinantes de competitividade.
Não é casual, portanto, que diversos países tenham fixado políticas específicas para o setor. Os europeus estabelecem limites às importações e México e Argentina restringem importações de automóveis, concedendo facilidades na importação de insumos, componentes e equipamentos. Nesse sentido, a assimetria de condições de produção e investimento entre o Brasil e outros países acarretaria fuga de investimentos do Brasil.
Tal preocupação é especialmente pertinente no caso da Argentina, que é membro do Mercosul e poderia, se nada fosse feito, produzir para o mercado brasileiro em condições flagrantemente vantajosas vis-à-vis a produção nacional. A MP elimina tais distorções, permitindo ao Brasil competir em igualdade de condições.
2. A Medida do Regime Automotivo constitui retrocesso na abertura econômica.
Ao contrário, a medida estimula a corrente de comércio, isto é, a soma de exportações e importações, ao baratear compras externas voltadas para a inversão produtiva e estimular as vendas para o mercado externo.
Além disso, ao elevar a produtividade e reduzir os custos de investimento, facilita a integração do setor no mercado mundial, aprofundando a abertura da economia.
3. As reduções de alíquota do Imposto de Importação de máquinas e insumos desprotegem excessivamente a indústria nacional.
Falso. O impacto da MP será certamente benéfico para o conjunto da indústria. Em primeiro lugar, os fabricantes de autopeças também poderão se beneficiar do programa, adquirindo insumos e bens de capital mais baratos.
Isso é particularmente importante num momento em que, conforme discutido em texto da Folha de 10/09/95, o setor de autopeças passa por profunda reestruturação produtiva.
Além disso, as empresas fabricantes de autopeças poderão transferir para os produtores de veículos instalados no país créditos de importação beneficiada; isso induz matrizes ou subsidiárias de montadoras locais a efetuarem compras de peças nacionais, abrindo novos mercados para o país.
Em segundo lugar, a redução do Imposto de Importação implica diminuição de custo de produção e investimento, acarretando menor preço do bem final, com impacto positivo sobre a demanda de automóveis. Esse fato implica maior produção de veículos que, por sua fez, resultará no crescimento da demanda de autopeças e bens de capital.
Por fim, estão previstos limites para a importação beneficiada de bens de capital e de autopeças. Nesse sentido, será fixada uma proporção entre autopeças importadas e exportações do setor, de forma a não prejudicar a produção nacional. No caso das importações de bens de capital com alíquota reduzida, o limite é dado pelas compras de bens de capital de produção nacional.
Com tais estímulos à produção e ao investimento, assegura-se a geração de emprego qualificando não apenas nas empresas montadoras, mas também nos setores produtores de autopeças e de bens de capital nacional.
De fato, após a divulgação do programa, já foram anunciados volumes significativos de investimentos no setor para os próximos anos e estima-se que a produção nacional de veículos possa chegar a 2,5 milhões de unidades até o ano 2000, o que tornaria o Brasil o 5º produtor mundial.
4. A elevação das alíquotas do Imposto de Importação teria surtido o efeito desejado nas importações de automóveis, sem necessidade da imposição de cotas.
No início do ano, a previsão de importação de automóveis para 1995, se nada fosse feito, era de US$ 7 bilhões, representando crescimento de mais de 500% em relação às importações de 1994.
O governo elevou as alíquotas do Imposto de Importação de automóveis de 20% para 32% em fevereiro e, posteriormente, para 70% em março. A elevação de preço devido aos aumentos seria da ordem de 42%.
No entanto, dois fatores permitiram que a majoração da tarifa de importação fosse absorvida, com reduzido impacto sobre os preços internos dos veículos importados e previsões de importações para o ano: i) condições extremamente favoráveis de financiamento às importações, dado o diferencial entre taxas de juros interna e externa; e ii) absorção de parte da elevação das alíquotas pelos importadores de veículos, reduzindo sua margem de lucro.
De fato, as importações de automóveis, no segundo trimestre de 1995, cresceram 7,4% em relação ao primeiro trimestre do ano e 356,5% em relação ao segundo trimestre de 1994. A participação relativa dos automóveis importados no consumo nacional subiu de uma média de 3,3% em 1991 para 13,6% em 1994, tendo alcançado cerca de 30% no primeiro semestre de 1995.
Em função de tais dificuldades, bem como da necessidade de garantir o saldo comercial do setor no longo prazo, incluiu-se no programa o mecanismo de cotas, que permite avaliar com precisão o volume máximo de divisas que será gasto com automóveis.
Aliado a vários outros instrumentos que induzem à modernização e ao comércio internacional, o mecanismo de cotas está longe de ser restritivo, não afetando substancialmente a competitividade do mercado interno.
A MP do setor automotivo ilustra, assim, o esforço governamental no sentido de aprofundar a abertura da economia, ao mesmo tempo em que se propiciam as condições internas para o aumento da competitividade e redução do "custo Brasil.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, 51, é secretário de Política Econômica; GESNER OLIVEIRA, 39, é secretário-adjunto de Política Econômica; e ROGÉRIO MORI, 28, é assessor de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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