São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Museu americano exibe holocausto negro

DANIELA FALCÃO
ENVIADA ESPECIAL A MILWAUKEE

Milwaukee é uma cidade de 620 mil habitantes à beira do lago Michigan (em Wisconsin, centro-norte dos EUA), famosa por ser a terra da cerveja Miller e do time de beisebol Milwaukee Brewers.
Mas o que a cidade tem de mais especial, o Museu do Holocausto Negro na América, não está na maioria dos folhetos e guias turísticos da região.
Idealizado por James Cameron, um eletricista aposentado de 81 anos (que parece ter no máximo 60), o museu reúne fotos, documentos e objetos que mostram o extermínio e a opressão sofrida pelos negros norte-americanos nos últimos 120 anos.
Apesar de o governo só admitir a morte de 60 mil negros por membros do grupo racista de extermínio Ku Klux Klan, e estimativa extra-oficial é de que pelo menos 200 mil tenham sido assassinados por membros da KKK desde 1866, quando o grupo foi criado.
O próprio Cameron foi vítima de um ataque há 65 anos, após ser acusado de matar um homem branco e estuprar sua namorada.
Como a maioria das vítimas da KKK, Cameron garante que era inocente. Ele é o único sobrevivente conhecido de um ataque do grupo e afirma que se salvou por "milagre".
"Foi uma voz divina que gritou que eu era inocente. Você pode achar que eu fiquei louco depois de tudo, mas tenho certeza de que foi isso", diz Cameron.
A idéia de fazer um museu contando o massacre dos negros nos EUA surgiu depois de uma visita ao Museu do Holocausto, em Jerusalém (Israel), em 1979.
"Sou católico praticante e estava com minha mulher fazendo peregrinação por Jerusalém. No dia programado para descansar, fui andar pela cidade e terminei no museu. Voltei para o hotel muito emocionado, totalmente destruído. Quando me recompus, percebi que tinha que fazer um museu igual nos EUA, com minha história".
Com o dinheiro da aposentadoria e a hipoteca da casa, Cameron abriu o museu no segundo andar da mercearia de um amigo, em 88.
Em 93, ganhou da Prefeitura de Milwaukee um ginásio de boxe abandonado e transferiu todas as peças do museu para lá.
"O lugar era grande, mas não tinha calefação e estava muito estragado. Cheguei a pensar em fechar, mas sabia que essa era minha missão e, por isso, não desisti."
Em novembro do ano passado, um jovem empresário de Nova York de origem judia visitou o museu e deixou um cheque de US$ 50 mil para Cameron restaurar o lugar.
"Esse foi mais um milagre na minha vida. Não acreditei e comecei a chorar na frente do moço", lembra Cameron. Hoje, ele diz que não tem raiva dos americanos que fizeram parte da KKK e nem dos que tentaram linchá-lo.
"Já visitei vários em Marion. A maioria está em asilos, muito piores do que eu. Não tenho raiva, porque, se ficasse pensando nisso, morreria doente, não ia conseguir viver. Perdoei os homens que me espancaram. Mas não esqueci. Até hoje, me pego lembrando de cenas daqueles dias de agosto. Acho que não vai passar nunca."

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