São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Países da África devem ajudar Ruanda e Burundi

JIMMY CARTER

Enquanto as atenções do mundo se voltavam às 37 mortes em Sarajevo e aos ataques aéreos da Otan contra os sérvios bósnios, quase 500 mortes violentas acontecem no Burundi todas as semanas, e a previsão é de que o número cresça.
O Burundi e a vizinha Ruanda ficam na África centro-oriental, entre Zaire, Uganda e Tanzânia. Embora a maior parte das mortes esteja ocorrendo atualmente no Burundi, entre seus dois principais grupos étnicos (hutus e tutsis), a crise entre esses mesmos grupos está se agravando em Ruanda.
No ano passado o mundo desviou seu olhar quando meio milhão de ruandeses, na maioria tutsis, morreram no pior caso de genocídio desde a Segunda Guerra.
No ano anterior, outras 100 mil pessoas haviam sido mortas no Burundi. Em lugar de intensificar esforços para resolver essa crise, a força internacional de manutenção da paz está sendo retirada.
Dois milhões de refugiados, em sua maioria hutus ruandeses que fugiram do país quando os tutsis ganharam a guerra, hoje vivem em campos superlotados no Zaire e na Tanzânia.
Refugiados hutus militantes conduzem incursões noturnas em território ruandês e retornam a seus campos no Zaire antes do amanhecer. Alguns dos líderes hutus acusados de genocídio exercem controle sobre outros refugiados que querem apenas viver em paz.
O secretário-geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, apelou por uma força internacional para separar refugiados hutus militantes de pacíficos e manter a segurança nos campos, mas apenas o Zaire vem dando tal assistência.
Os líderes tutsis do governo de Ruanda sentem-se ameaçados por hutus no Burundi, Zaire e Tanzânia, e seu Exército reage com violência. Essas escaramuças ameaçam explodir em uma guerra em grande escala.
Mas esses mesmos líderes tutsis avançaram pouco em direção à reconciliação com os refugiados hutus ou a encorajá-los a retornar. Quase 50 mil hutus estão encarcerados sob péssimas condições, numa demonstração do que os refugiados podem esperar se voltarem a seu país. Será que alguma coisa pode ser feita para resolver essa crise?
Uma força militar forte na fronteira entre Zaire e Ruanda poderia funcionar como amortecedor entre os grupos. Além disso, o fluxo de armas que chega aos refugiados deveria ser restrito, com a presença de monitores da ONU.
Rádios clandestinas vêm transmitindo programas agressivos do Zaire para o Burundi, incitando ouvintes a mais hostilidade. Representantes do governo zairense me informaram que as transmissões haviam cessado, mas a destruição ou o confisco dos equipamentos não foram confirmados.
Uma força internacional de manutenção da paz ajudaria. Mas o governo de Ruanda exige a saída dela, e o contingente de 6.000 homens será reduzido para 1.800 no mês que vem, e a zero em dezembro. A comunidade internacional deve insistir que o governo ruandês aprove a manutenção de um contingente adequado da ONU.
Os EUA mantêm uma relação próxima com os líderes tutsis em Ruanda e, apesar da oposição de importantes líderes africanos na região, convenceram a ONU a levantar o embargo de armas contra Ruanda. O fato vem aumentando ainda mais as tensões na região.
O Zaire reagiu forçando alguns refugiados hutus a voltarem a Ruanda. Dezenas de milhares de deles fugiram dos campos para a zona rural, comprometendo toda a operação humanitária da ONU.
O fato de os hutus acusados de genocídio não estarem sendo submetidos a julgamento cria um impasse, por duas razões. Aqueles que se supõe serem culpados estão sendo vistos como tendo imunidade a castigos, e, sem a identificação desses poucos culpados, líderes ruandeses e outros setores estão atribuindo a culpa a inocentes.
O tribunal internacional já deveria ter indiciado algumas pessoas há muito tempo por seu envolvimento no genocídio de 1994 em Ruanda, mas não deverá fazê-lo antes de dezembro. Mesmo então, é provável que o fórum internacional e os tribunais ruandeses não tenham condições de concluir esses julgamentos-chaves.
Em última análise, são os líderes africanos que deverão funcionar como fonte principal de influências benéficas nessa região convulsionada.
Os tutsis de Ruanda e do Burundi têm vínculos fortes com Uganda e Tanzânia, respectivamente, e os hutus têm sido associados ao Zaire há muito tempo. Todos os líderes me dizem que o presidente do Zaire, Sese Seko Mobutu, poderia exercer um papel-chave se fosse incluído num esforço conjunto internacional. Entretanto, devido a violações dos direitos humanos e a falta de avanços democratizantes no Zaire, Mobutu é quase universalmente condenado e relegado ao ostracismo por representantes do Ocidente.
Nas discussões que mantenho com os líderes dessas nações africanas, eles expressam profunda preocupação com o sofrimento vivido em Ruanda e no Burundi e com a violência que se espalha para seus próprios países. Mas eles têm visto frustradas suas tentativas de resolver a crise.
Uma proposta reunião de líderes políticos e militares do Burundi em Adis Abeba foi cancelada recentemente quando alguns dirigentes tutsis se recusaram a participar. O primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi, presidente da Organização de União Africana, está organizando uma reunião dos ministros das Relações Exteriores do Zaire, Tanzânia, Uganda, Quênia e Etiópia.
Também estão sendo traçados planos para conversações de paz posteriores na Tanzânia entre as forças em conflito no Burundi e em Ruanda. Além disso, é preciso prestar atenção às condições econômicas básicas, incluindo reforma agrária, produção de alimentos e a utilização eficiente da limitada assistência financeira disponível.
Os sistemas judiciais precisam de forte apoio, e as tentativas de diálogo entre hutus e tutsis precisam ser fortalecidas.
A Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA está procurando coordenar os esforços para tentar lidar com alguns desses graves problemas, o que constitui um prelúdio necessário à paz e à reconciliação. Ainda neste mês vou visitar dirigentes africanos chaves e o The Carter Center fará uma avaliação da situação global.
Vamos tentar ajudar a dar uma resposta positiva à pergunta mais importante -e aquela cuja resposta é a mais duvidosa: é possível fomentar um envolvimento renovado da comunidade internacional, incluindo o apoio total a um esforço de paz comum e contínuo por parte dos dirigentes regionais? Nossa única opção é supor que existe alguma saída para a situação.

LEIA
mais sobre Ruanda à pág. 30.

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