São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Os pecados do filósofo

ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES

Ninguém entendeu a evocação de Hamlet e sua tragédia pelo "filósofo" aposentado José Arthur Giannotti em seu artigo publicado na Folha, no domingo passado. Afinal, a tragédia de Hamlet é a tragédia de uma família e por que recordá-la, assim, freudianamente? O que havia de podre no reino da Dinamarca, "nas intrigas da corte", era cobrado e decidido, entre homens, na ponta de espadas empunhadas por mãos decididas e corajosas.
Também causa espécie a repugnância que o vetusto "filósofo" revela pelo que é "velho e ainda coabita com o novo", como se as coisas antigas fossem responsáveis pelos achaques que lhe embotam a percepção, lhe tiram o discernimento e o fazem esquecer dramas de uma vida equivocada. E filosofa mal.
Recorre aos gregos antigos para dizer que com eles aprendeu que não se pode julgar alguém "por um ato errôneo e condenável", o que é falso e enganoso, e à moral cristã que condena "todos aqueles que julgam de dedo em riste sem lhes ocorrer que algum dia também eles serão julgados". De minha parte, não tenho cuidados. Não julguei o "filósofo" de dedo em riste e não me preocupa ser julgado algum dia. Sei o que sou e o que valho. "Algum dia", para mim, sempre será o mesmo dia.
Não o desqualifiquei profissionalmente, como diz, até porque alguém deve lhe atribuir algum mérito. Mas o ex-professor José Arthur, entusiasmado pelo convite do amigo presidente da República para compor um grupo de "notáveis" encarregado de "pensar" o Brasil, abandonou seus afazeres e se arvorou a fazer análise política e a distribuir julgamentos como se fosse o senhor da verdade e o mais justo dos homens. Não poderia ficar sem resposta.
Como posso ser "político decadente, imortalizado em vida no anonimato de um nome de uma rua", se tenho sete mandatos conferidos pelo povo, de deputado estadual, federal, senador mais votado, governador eleito em primeiro turno, sou prestigiado e querido em minha terra, com um governador, uma grande bancada de deputados e senadores ao meu lado, se um pronunciamento meu assanha grande parte da mídia e do capitalismo que o "filósofo" finge detestar; se sou corajoso e obstinado, se não me acomodo anônimo numa amorfa aposentadoria e continuo lutando e trabalhando arduamente pelo desenvolvimento equitativo do nosso país?
Estou certo de que todos os leitores de sua obra cabem no eleitorado de minha primeira eleição, que foi a menor que tive. Portanto, não lhe reconheço nenhuma autoridade moral ou representatividade que mereça atenção.
É fácil constatar que ele continua apegado a idéias e dogmas ultrapassados. E encerrei a correspondência de forma bem-humorada (que o amargor típico dos ultrapassados o fez tomar por ofensa), afirmando que jamais poderia lhe pedir para abandonar a amizade antiga que tem com o presidente, "mas ajude o Brasil: não lhe dê conselhos".
O fato é que a virulência do sr. Giannotti no julgamento de partidos e líderes políticos do país gerou debates e despertou a curiosidade dos congressistas que pouco o conheciam. E, infelizmente para ele, sua ficha policial se tornou conhecida no Congresso antes mesmo do que sua obra intelectual. O que fiz, no segundo fax que lhe enviei, foi dar conta desse fato de forma elegante.
Não fui o arauto da selvageria nem concorri para a sua divulgação, agora renovada pelo seu autor sem demonstração de remorso ou arrependimento e classificando como "erro" o que o Código Penal tipifica como crime.
Quem noticiou fatos lamentáveis de inaudita violência e covardia foi uma revista de ampla circulação à época, lida com avidez pelos amantes de fatos policiais com sabor passional. O que surpreende, e revela todo o seu caráter, é que ainda se refere a "circunstâncias atenuantes", procurando com isso atribuir a responsabilidade pela agressão à vítima, ou seja, à sua então esposa.
Fico feliz e cumprimento o "filósofo" quando ele diz esperar que "sejamos capazes de renunciar a esse passado de violência hedionda, para que as companheiras não sejam agredidas". É um procedimento louvável de quem procura se redimir, esperando encontrar na compreensão do povo brasileiro o perdão para atitudes incompatíveis com nossa formação cristã. E só assim poder-se-á evitar, como diz desejar o sr. José Arthur, que nossa sociedade "venha a ser uma associação de celerados".
O que transparece no artigo do idoso ex-professor é que, além de provocador e agressivo, é deficiente de raciocínio. Dá a impressão de uma vaidade faminta de homenagens e talvez não possa suportar a sua própria companhia. Deve fazer parte do grupo dessas pessoas rancorosas, de rostos feios, ressentidos e malignos, que se comprazem em contar feias histórias, exceto a sua.
Parece-me um homem estúpido em três dimensões. Com ar de modesta importância, como se fosse interlocutor do Todo Poderoso, se esgota suarento na redação de pedaços cinzentos de nada.
Como pode o nosso suburbano "filósofo", que fala muito e pensa pouco, me "cobrar uma duplicata em termos ideológicos"? Ele, que sempre viveu na penumbra da história brasileira, heroicamente anônimo, confundindo vocação com ambição pessoal, ambição pela posse do poder, que nunca se realizou, mas que a ele parece realizada pela presença de um amigo na Presidência da República, a quem supõe poder aconselhar fatuamente? Quanto ao seu períneo, o professor pode ficar descansado. Não costumo visar essa região. Pelo acontecido, o privilégio é seu...
O que impressiona, em tudo isso, é a capacidade de manipulação e de mobilização de suposta "solidariedade". Agride as mulheres e de repente eu sou o agressor. Pratica atos de extrema covardia e chama-me de covarde. Oculta tanto quanto possível esse fato e, quando ele vem à tona, o chantagista sou eu. Assim é demais!!!
Quanto a mim, não há ternura ou malvadeza no meu comportamento. Fico sempre nos limites do ensinamento de Confúcio, de que se deve responder ao mal com a justiça e ao bem com a bondade. Jamais tive medo de ser humano ou de ser fiel a mim mesmo, reagindo aos personagens da cultura do mal ou da deformidade social.
Quero lembrar ao sr. Giannotti que a amizade pode ser fraterna, mas tem presente que os moços são rebeldes aos conselhos, mas sensíveis aos exemplos. E não é nada edificante o seu exemplo. O velho, no seu caso, não se modificou, apesar de minha benevolência.

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