São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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O direito e o dever

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Os direitos humanos nunca estiveram em tanta evidência como agora. Pouco se fala, entretanto, sobre os deveres humanos.
O "New York Times" de 18/7 publicou uma interessante matéria sobre as escolas japonesas. Nelas, não existem serventes. As próprias crianças, após as aulas, gastam de 15 a 30 minutos para limpar as salas, corredores e banheiros. A faxina mais grossa é feita uma vez por semana -pelos pais!
Não se pode dizer que o Japão é um país que desrespeita os direitos humanos. Ao contrário, ele é um exemplo de civilização. Desde cedo, as crianças aprendem que, para cada direito, há um dever. As que gostam de grafitar as paredes sabem que terão de limpá-las após a aula. As que não resistem a tentação de grudar um chiclete debaixo da carteira terão a desagradável responsabilidade de removê-lo dali.
Tudo na sociedade japonesa tem raízes no balanço entre regalias e obrigações -inculcadas pela família e pela escola. Os estudantes japoneses estudam muito mais do que a maioria dos ocidentais. Os descansos se limitam a duas tardes de sábado por mês e um período de férias de seis semanas e, mesmo assim, com muita lição de casa para que as crianças não esqueçam o que aprenderam durante o ano letivo.
No Brasil, estamos sendo cada vez mais pródigos para fazer proliferar os chamados direitos humanos. Pelo que sei, tais direitos surgiram na Grécia antiga para garantir a vida e a liberdade. Daí para frente, o seu âmbito foi se ampliando, como ocorreu na Magna Carta de 1215; na Petição Inglesa e na Lei de Direitos de 1628 e 1689, respectivamente; na Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776; na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789; e na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948.
O Brasil, para não deixar barato, fez uma Constituição com um artigo 5º que tem 77 incisos sobre a matéria; um artigo 7º, com 38 direitos sociais; e dispôs sobre um Estatuto da Criança e do Adolescente que tem mais de cem direitos ilimitados.
Uma regrinha de muito valor e pouca observância no Brasil estabelece o limite para qualquer direito: ele vai até onde começa o direito do próximo. Um povo civilizado se destaca pela sua capacidade de autolimitar-se nos seus direitos. A autolimitação é nada mais nada menos do que o dever.
Se a nossa tradição fosse a de praticar os deveres com a mesma intensidade com que demandamos direitos, as Varas de Justiça -sejam Civis, de Família, Tributárias ou Criminais- não estariam sobrecarregadas de questões miúdas como estão hoje e, certamente, a nossa sociedade seria bem mais humana do que é.
A chave do equilíbrio do mundo está no balanço adequado entre direitos e deveres. A disseminação de direitos é coisa fácil, mas já é tempo de ensinar os cidadãos que, para desfrutar um direito, há uma clara contrapartida de um imperioso dever. Oxalá os novos líderes sejam capazes de disseminar essa pedagogia com a mesma desenvoltura com que apregoam a ampliação dos direitos.

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