São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Primeiro Mundo

CAIO TÚLIO COSTA

A tese de que menos cigarro significa mais civilização começa a desmoronar.
Existe uma idéia, impingida ao universo, segundo a qual quanto mais civilizado um país, menos fumantes ele tem.
Qualquer um que tenha viajado aos Estados Unidos nos últimos anos deve ter ficado impressionado com o grau de civilização a que se chegou lá.
A rigor, só falta proibir o cigarro na rua. Não se aceitam fumantes na maioria dos quartos de hotéis, banheiros, restaurantes, aviões inteiros, teatros, estações, aeroportos, escolas, lojas. Nas empresas, proliferam as que se orgulham de ser "smoke free", livres de fumaça. Sem falar dos voluntários do ar limpo, aquelas pessoas que dão bronca em público quando vêem fumantes por perto.
Agora, por exemplo, estão proibindo a venda de cigarros para menores. Os fabricantes de cigarro até veiculam propagandas enormes, em revistas e jornais, explicando que concordam exatamente com essa medida, acham-na acertadíssima e a discutem "francamente", porque sempre pensaram assim.
Muito bem, a tese de que menos cigarro significa mais civilização começa a desmoronar. O número reduzido de fumantes não serve mais como metáfora de civilização.
A derrocada deste "conceito" vem a propósito de um livro que, mesmo sem falar especificamente da idéia, a destrói. De quebra, está fazendo sucesso nos Estados Unidos, ganhou um baita destaque na capa do caderno "Life" (Vida) do jornal "USA Today" e explica que as pessoas, mesmo no Primeiro Mundo, não têm o menor problema em fazer coisas estranhas, muito mais estranhas do que tragar fumaça compulsivamente.
O livro é "Are You Normal?" (Você é normal?) e foi escrito pela colunista Bernice Kanner. Editado pela St. Martin's Press, custa US$ 6,99 e não tem tradução no Brasil.
Depois de passar dois anos entrevistando pessoas, sempre em busca de confissões verdadeiras, Bernice descobriu, entre muitos outros achados, um mundo de constrangimentos. Veja só:
* Uma em cada quatro pessoas faria qualquer coisa por US$ 10 milhões.
* Uma em cada dez pessoas compra coisas só para usar uma vez e depois devolver.
* 3,9% das mulheres dizem que não usam calcinhas.
* 7% das pessoas usam o próprio cabelo como fio dental.
* 10% trocam etiquetas de preços para pagar menos.
* 10% já viram fantasma.
* 23,5% nunca dão descarga.
* 25% furam filas.
* 28% admitem fazer xixi na piscina.
* 28% deixaram de declarar imposto de renda alguma vez.
* 29% já furtaram em lojas.
* 39% fofocam em salas de espera.
* 54% reembrulham presentes recebidos e dão para outra pessoa.
* 58% já inventaram que estavam doentes para não ir ao trabalho.
* 60% dos homens cospem em público.
Assim, se você costuma ter alguns desses hábitos, faz a besteira, fica envergonhado e acha que é coisa de pessoa pouco civilizada, sossegue.
No Primeiro Mundo, esses hábitos são normais.

Ilustração: "Diálogo Frustrado", 1967, xilogravura de Antonio Henrique Amaral

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