São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Quem é o responsável pelo país?

LUÍS NASSIF

Não se vá relevar a corrupção que vitimou o Banespa, nem sua utilização como instrumento político e canal extra-orçamentário do Estado. Essas operações têm o condão de mandar para a cadeia muitos responsáveis, mas não dimensão para quebrar o banco.
A inviabilização do banco tem relação direta com a política monetária do Banco Central, por meio do seguinte processo:
A partir do Plano Real, para combater o aumento da demanda, o BC limitou-se a um enxugamento da liquidez do sistema, por meio da introdução de pesados compulsórios sobre crédito (sobre cada real emprestado, os bancos tinham de recolher uma parte ao BC).
A estratégia adotada por Pedro Malan, então presidente do BC, revelou-se ineficiente, já que, como se sabe, a demanda explodiu.
Os bancos responderam ao aumento do compulsório reduzindo sua carteira de empréstimos, ficando com mais dinheiro em caixa.
O Banespa não pode fazer o mesmo, porque tem 80% de seu crédito junto ao próprio Estado. No segundo semestre do ano passado, sua situação já era inviável.
Independentemente das origens da crise, desde que se adotou essa violenta política de compulsório, o Banespa tornou-se um problema inevitável do BC -que é a autoridade monetária. Ou não? E o que fez o sr. Malan? Limitou-se a culpar antigos governos de São Paulo pelo rombo do banco.
Bolas! Por sua irresponsabilidade, eles já foram condenados exemplarmente pela opinião pública, e têm mais que serem punidos pela Justiça. E São Paulo tem de assumir a responsabilidade pelas dívidas.
Mas essa imputação de culpa não revoga o fato de que, no ano passado, na condição de presidente do BC, ele tinha um problema concreto na mão -e nada fez para solucioná-lo. Criou um problema muito maior, e o maior imbróglio político do governo FHC.
Assobiar e andar
Ocorre que Malan não consegue pensar em dois problemas simultaneamente. Seu perfil psicológico é conhecido sobejamente em estruturas administrativas -e é o pavor dos administradores. Trata-se do funcionário a quem se confere uma missão, e que não consegue enxergar o conjunto e ver a empresa (no caso o país) além de um ângulo só. Preocupa-se exclusivamente em resolver seu problema, e em permanentemente transferir responsabilidades.
É só conferir o tratamento dado à TR. Na gestão Malan, a TR apresentou os maiores valores reais da história. Como o Estado é o maior devedor, houve o alerta de que essa política estava inviabilizando as contas públicas. Resposta de Malan: os recursos do depósito compulsório vão minimizar os efeitos da política monetária sobre a dívida mobiliária do Estado.
A dívida mobiliária (que também foi afetada pelos juros) é apenas a parte das dívidas do Estado -que é de responsabilidade do BC. E o restante das dívidas? Não é do departamento de Malan.
Essa TR escorchante incidiu sobre todos os contratos do governo federal reajustados pela TR, arrebentou com as contas de Estados e municípios -só a dívida paulista aumenta US$ 1 bilhão/mês por conta dos juros-, arruinou a agricultura, tornou inadimplente metade do país.
Mas isso não é problema de Malan. Seu problema é apenas a dívida mobiliária (que, aliás, está sendo arrebentada pela superacumulação de reservas). A crise financeira dos Estados é problema deles, que deixaram as despesas crescer além da conta. A crise de inadimplência das empresas e pessoas físicas afeta apenas os setores que apostaram contra o Plano Real. A crise da agricultura é problema dos agricultores que não se modernizaram. A crise das empresas é fruto da globalização da economia. E por aí adiante.

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