São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Em San Francisco, ser gay é que é legal

MARCELO PAIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Todos os amigos que sabem que moro na região de San Francisco fazem alguma referência ao mundo gay, já que aqui é considerada a capital mundial da preferência pelo mesmo sexo. Os amigos mais inoportunos fazem piadas, tipo "continua o mesmo ou virou casaca?.
Não se sabe quantos gays moram por aqui, nem porque se concentraram por aqui. É tão natural vê-los nas ruas, abraçando ou beijando seus parceiros, que o que chama a atenção são casais hetero: "olha, um homem de mão dada com uma mulher!!.
Aliás, já vi teóricos da sexualidade, como o antropólogo Richard Parker que, por sinal, mora atualmente no Rio, dizerem que muitos gays daqui reclamam que sem a marginalização, o estigma e a estranheza, perde a graça ser gay e ameaça a comunidade. Será que é mais uma piada gay?
O movimento já tem seu historiador, Ted Sahi que, por sinal, não é gay. Segundo ele, no passado, os gays se encontravam em bares que costumavam ter uma luz vermelha logo na entrada. Caso a polícia aparecesse, acendia-se a luz, e homens que estivessem dançando com homens, e mulheres com mulheres, trocavam de parceiros para evitarem uma encrenca; tocar numa pessoa do mesmo sexo era proibido por lei.
Ted Sahi divide o movimento em três fases. De 1960 a 70, os gays passaram a se assumir em bares fechados. De 1970 a 80, passaram a se assumir fora dos bares. De 1980 a 90, se assumiram publicamente, inclusive membros da classe política e do corpo de bombeiros.
As paradas gays, marca registrada do começo das festividades do verão, existem há mais de 20 anos. Hoje em dia, San Francisco sem os gays é como pão sem manteiga.
Sabe de uma coisa? Sei que é uma besteira enorme o que vou falar, mas já que comecei... Andando pelas ruas ou dentro dos bares, me sinto super sem graça por não ser gay; me acho um Zé qualquer cercado por figuras exóticas, garotas de terno e gravata, rapazes com lenços coloridos, dançando juntos, rindo, conversando alto.
Parecem mais felizes e realizados do que um hetero pobre de espírito como eu. Sempre me sinto como se estivesse perdendo o melhor da festa. Sempre me sinto um covarde que não ultrapassou a barreira da conveniência, do esperado, do previsível.
San Francisco mexe com a gente. Proporia ao nosso secretário da Segurança Pública que tornasse obrigatório aos delegados e agentes da nossa força policial um estágio por aqui. Voltariam mais abertos, sensíveis, humanos. Eu me disponho a ceder parte do meu rico impostozinho para esta causa, e você?

MARCELO RUBENS PAIVA está nos EUA a convite da Universidade de Standford.

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