São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Como fui exorcizado em NY

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

Esperava por muitas cenas em minha vida. Menos ser exorcizado e, ainda por cima, no centro de Manhattan. "Em nome de Jesus, sai diabo", gritava a pastora, olhos fechados, apertando minha cabeça com as quatro mãos. "Jesus, liberta nosso irmão do mal".
Foi um exorcismo involuntário. Na busca de informações, parei no meio da multidão que se aglomerava na porta do Madison Square Garden. Dali, os letreiros anunciavam Eric Clapton e Julio Iglesias.
Não me dei conta, mas estava numa fila. Inesperadamente, uma pastora da Igreja Universal do Reino de Deus se aproximou e agarrou minha cabeça -uma mão à nuca e outra na testa. Foi tão rápido que nem pude me explicar. Não resisti: afinal, se resistisse, talvez pensassem que o diabo tinha mesmo dominado um pobre pecador. Era capaz de ficar pior ainda.
Na terra do "fast food", o bispo Edir Macedo e seus pastores criaram o "fast exorcismo". Para acalmar a multidão que não conseguiu entrar, dezenas de pastores percorriam as filas, dando passes e expulsando o "diabo". Tudo em segundos.
Os fiéis carregavam nas mãos um convite escrito em espanhol que dava direito ao culto. Generoso em promessas: cura para Aids, câncer, depressão, medo, desempregos. E até problemas imigratórios: para muitos daqueles crédulos, câncer até se enfrentar. Difícil é ganhar um "green card", que dá direito a viver legalmente aqui.
Se o bispo Edir Macedo queria entrar na história do Madison Square Garden, conseguiu. Os policiais e seguranças mostraram olhos arregalados diante das cenas de exorcismo, passes, histeria dentro e fora do teatro.
Num púlpito improvisado no lado de fora, faziam-se orações. De repente, abre-se um clarão. Um homem se levanta chorando com uma muleta levantada. "Milagre, milagre, milagre. O paralítico está andando", grita o pastor. Aplausos. Tamanha a emoção que nem sequer notaram um detalhe: a muleta do "paralítico" era nova em folha.
Os pastores não sabiam controlar como controlar a nervosa multidão. Apertavam-se crianças, cegos, paralíticos, desfilavam cadeiras de rodas. Nas rodinhas, a conversa era só desgraça. Câncer da filha, desemprego do marido, Aids do sobrinho, marido bêbado, irmão drogado.
Às pressas tiveram de transferir parte do culto para o lado de fora e chamaram mais pastores. A polícia pediu que esvaziassem a frente do teatro, o que era impossível.
Um dos pastores teve uma infeliz idéia. Disse que seria distribuído um vidrinho com azeite trazido da "Terra Santa". Um moça dirigiu-se à avenida, na ilusão de atrair os fiéis e esvaziar a entrada.
Quando notou, estava submersa em mãos, estendida e foi obrigada a ser escoltada. Os policiais, atônitos, tentaram ajudar, distribuindo o azeite sagrado, sufocados pela aglomeração.
No estilo "vocês-querem-bacalhau?", os vidrinhos eram jogados do alto do púlpito improvisado, disputado no espaço pelas mãos espalmadas.
Tanta confusão acabou por atrair gente da rua. Com suas roupas espalhafatosas, grupos de negros olhavam intrigados, com seus imensos rádios que tocavam "rap". Como era de graça, alguns se dispuseram a receber passes.
Uma senhora americana se aproximou de mim e, curiosa com tanta gente falando espanhol, perguntou: "O Julio Iglesias já está fazendo show?"
Foi a segunda cena improvável num único dia depois do exorcismo em Manhattan: ser confundido com alguém que está na fila para assistir Julio Iglesias.

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