São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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Reação dos Bráulios foi útil

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pode parecer estranho, mas o termo "ridículo" tem lugar na lei brasileira, como substantivo, e com grande atualidade, pois sua principal referência é relacionada com o nome das pessoas. Atualidade óbvia, ante o destaque que acabou tendo o prenome "Bráulio" ao ser aproveitado para a popularização da campanha contra a Aids, para significar o pênis, na letra da música popular composta especialmente. A campanha é boa e necessária, mas a opção pelo nome gerou consequências imprevisíveis.
Foi assim que "Bráulio" ingressou no campo do direito, ante os protestos dos portadores desse prenome, que se sentiram expostos ao ridículo, ante a campanha que se enunciava. Em meu livro "Lei dos Registros Públicos Comentada" (cuja décima edição sairá até o fim do ano), analiso o artigo 55, que autoriza o oficial do registro civil a recusar o assentamento de nome, desejado pelos pais da criança, que possa expô-la ao ridículo.
A lei vai mais longe: no artigo 56 permite que, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, a pessoa altere o prenome, quando se sinta ridicularizada por este, desde que não prejudique os sobrenomes característicos de sua família.
Acontece, porém, que o sentimento de ridículo é intensamente subjetivo, varia de pessoa a pessoa. O direito impede que as pessoas sejam expostas ao ridículo, mas não apóia a sensibilidade extremada, que ultrapasse os limites médios da sociedade.
Se todas as sensibilidades pudessem ser acolhidas, a música popular brasileira deveria passar por fortíssima revisão, que terminaria espraiando-se pela música internacional. Fico a ouvir o protesto das "Genis" contra Chico Buarque ou dos Adolfos, na crítica da marchinha carnavalesca que fala do Adolfinho mata-mouros. A história da mulher do Rui, que agitou mais de um Carnaval, ou a velha referência de Caymi ao João Valentão, eventualmente incomodando muitos joões, também dariam margem a processos. É fácil lembrar de muitos outros sambas, marchas e canções desde "Nos braços de Isabel", de Sílvio Caldas, até a triste sina da Amélia, que cometia a insuportável tolice de "achar bonito não ter o que comer" -e, apesar disso, ser passada para trás-, no clássico extraordinário de Ataulfo Alves e Mário Lago.
Compreendo o aborrecimento dos Bráulios, tornado irreversível pela reação de alguns deles. Mostrando que alguns Bráulios se irritaram ou se ofenderam com a proposta de música na campanha, fica evidente que todos os outros se tornarão vítimas das gozações. A galhofa não perdoa nem amigos nem inimigos. Mas, para ser sincero, não creio que ações em juízo terminariam vitoriosas. Se fossem, alguma sensibilidade extraordinária poderia levar Nancys e Rosas a se revoltarem com as conhecidas músicas que tratam delas. E, nesse caso, como ficariam as pessoas de sobrenome Pinto?
Pior seria a sorte de João Bosco e Aldir Blanc, que, em "A nível de...", contam a história de Vanderley e Odilon, que vão ao Maracanã ver futebol, enquanto suas mulheres Yolanda e Adelina ficam em casa divertindo-se. Vanderley e Odilon terminam montando um restaurante naturalista, dedicando-se suas mulheres ao artesanato. Contudo, diz a letra que "cada um faz o que gosta e o relacionamento continua a mesma bosta".
A reação dos Bráulios terminou útil. Chamou atenção inesperada para a campanha, antes mesmo de ela começar, o que é ótimo em termos publicitários. Considerando que buscaram outro nome para a música-tema, espero que os Bráulios percam o amargor e a tristeza que os dominaram e permitam a entrada da poesia em seu lugar. E que cantem, afinal, com João Aquino e Paulo Cesar Pinheiro, em "Viagem", a esperança de voltarem à serenidade, "num cavalo baio, no alazão da noite, cujo nome é Raio, raio de luar".

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