São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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A saga e a ilusão

SÉRGIO NOBRE DE ANDRADE

A crise que abala a região cacaueira mostra, em seu todo, aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais que não podem ser esquecidos quando das especulações sobre possíveis alternativas para equacionar a grave questão.
No caso, não cabe responsabilizar um fator ou um elemento, quando toda uma sequência de situações envolve a questão, cuja solução é complexa e exige longa maturação e todo um aparato de medidas, nem sempre indolor.
Em princípio, ninguém deve esquecer o sofrimento de uma geração de produtores e trabalhadores que, quando a cultura foi iniciada, encontrou uma forma de convivência com a Mata Atlântica. Diferentemente de todas as idéias de uso do solo dominantes no Brasil, os pioneiros cabrocaram a mata e implantaram uma atividade econômica promissora. O preço pago foi alto e contabilizado em vidas destruídas pelo inóspito meio e pela cobiça dos menos escrupulosos.
Na hora em que, por uma contingência do mercado externo, o cacau gerou a riqueza desejada, apareceu a ajuda do governo, que deu, com uma mão, à Ceplac e, com a outra, drenou a poupança gerada pela cacauicultura para alimentar o absurdo desenvolvimento urbano.
Nesse instante, o produtor, irresponsavelmente, se acomodou e a comunidade achou eterno o momento de felicidade.
O lucro, aparentemente fácil, fez crescer a concorrência de países de clima semelhante que, diferentemente do Brasil, investiram pesadamente na cacauicultura, fazendo crescer a oferta num mundo/aldeia hoje pequeno e sem segredos, onde a qualidade e a produtividade ditam oportunidades.
Enquanto crescia a cacauicultura em outros continentes, no Brasil ficava claro o prelúdio do trágico fim, com a absurda degradação da Ceplac, com o individualismo espúrio dos exportadores, com o uso crescente de gorduras vegetais outras nas formulações de achocolatados e com o interesse sub-reptício de umas poucas indústrias multinacionais que se instalaram na região, atendendo um mercado secundário de subprodutos.
O governo, de costas para o futuro, assistia a banda passar como se fosse um mero espectador. De resto, emitia novos planos econômicos cheios de armadilhas que confundiam os produtores e os atraíam, como a pequenos insetos, para uma dívida impagável.
Quando o subproduto da digestão, de tanta incoerência, veio à tona, todos correram para buscar alguém ou alguma coisa capaz de ser responsabilizada. Não deu outra: foi a vassoura-de-bruxa, doença que veio do norte.
Hoje, no Brasil, a verdade é que a cacauicultura perdeu as vantagens comparativas e não pode enfrentar um mercado competitivo com produção (em alguns países) subsidiada, com privilégios que atendem a acordos com antigas colônias e com todo um aparato tecnológico montado em anos seguidos de pesquisa.
Desesperado, descapitalizado e à beira da falência, o produtor investe contra o meio ambiente, depredando a Mata Atlântica, comercializando as melhores madeiras ou ateando fogo, num processo perverso de pecuarização.
O desemprego na região do cacau é fato social grave e que exige uma atitude imediata, sob pena de fugirem do controle a fome, a violência e a perda da dignidade e do respeito à cidadania. É só olhar o crescimento das favelas nas cidades da zona cacaueira da Bahia.
A questão, numa região de industrialização incipiente, passa pela capitalização do produtor rural, para que a unidade produtiva gere, espacialmente, emprego e renda.
Em relação à questão, é necessário atentar que o produtor, numa região ecológica do maior valor, não pode ser estimulado à produção sem os freios que o conduzam ao respeito pelo que resta da Mata Atlântica. Assim, os grandes desafios da região são:
1) Desenvolvimento sustentado alicerçado em sistemas agroflorestais; 2) a melhoria da distribuição do emprego e da renda; 3) a reintegração à economia internacional com produtos agregados, com produtividade e qualidade; 4) a preservação da Mata Atlântica.
A Faeb (Federação da Agricultura do Estado da Bahia), diante do quadro sumariamente descrito, defende a necessidade de olhar a questão em todos os seus ângulos, enquanto procura cooptar a sociedade para se incorporar na luta em defesa de ações rápidas e que solucionem, definitivamente, a grave crise que abala a região.

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