São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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Escritor enxerga o apocalipse na Flórida

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Crescimento dos tele-evangélicos, corrupção municipal e estadual, especulação imobiliária desenfreada, racismo, fraude em competições esportivas...
As semelhanças com o Brasil surpreendem quem lê os divertidos romances policiais do escritor norte-americano Carl Hiaasen (pronuncia-se rái-assen).
"Dupla Armação", que chega às livrarias na próxima segunda-feira, oferece em doses generosas o melhor do estilo de Hiaasen -um ex-jornalista que se cansou de noticiar as mazelas da Flórida e resolveu esculhambar, de forma hilariante, o Estado onde mora.
Na visão do escritor, o sul da Flórida, cenário de todas as suas histórias, é um ex-paraíso, hoje vivendo o apocalipse por culpa de políticos, construtores e enxames de turistas que infestam a região.
"Dupla Armação" é o terceiro livro de Hiaasen lançado no país.
Publicado nos EUA em 1987, é cronologicamente o seu segundo romance. O primeiro foi "Caça aos Turistas" (1986), lançado no Brasil em 1993. "Strip-tease", de 1993, foi publicado aqui em 94.
A editora Companhia das Letras, que lançou os três, planeja adquirir os direitos do último romance do escritor, "Stormy Weather", lançado este ano nos EUA.
Os romances de Hiaasen raramente escapam do molde que ele próprio fabricou.
Normalmente, um investigador com cultura pop (jornalista ou detetive), atormentado por suas ex-mulheres, investiga um crime ajudado por policiais bem-humorados e cercado de colaboradores malucos. Os vilões da história já foram citados: políticos, turistas e empresários gananciosos.
Hiaasen não inventou a roda, mas com seu humor afiado, enorme imaginação e grande capacidade de criar diálogos inteligentes chega a um resultado original.
Não é muito, mas o suficiente, em meio ao oceano de autores de romances policiais, para chamar a atenção do público.
A semelhança com o Terceiro Mundo é reforçada em "Dupla Armação" pelo personagem Charles Weeb, um pastor evangélico dono de uma emissora de TV, o Canal Cristão de Esportes Externos, que lembra muito o personagem vivido por Edson Celulari na minissérie "Decadência", exibida nas últimas semanas pela TV Globo.
Em "Dupla Armação", como nos demais livros, os melhores personagens, aqueles que Hiaasen descreve com mais humor e não pouco carinho, são as figuras atormentadas pelo "progresso".
Skink, o ermitão de "Dupla Armação", é a figura que ajudará o herói da trama, o ex-fotógrafo R. J. Decker, a investigar uma série de crimes misteriosos ligados ao mundo da pesca de competição e ao empolgante programa de TV "Febre do Peixe".
Skink, o leitor logo sabe, é um ex-governador da Flórida que, no meio do mandato, pirou, abandonou o cargo, o paletó e a gravata, e foi morar no meio do mato.
Esquisitão, mal-vestido e mal-humorado, ele se alimenta apenas de coelhos e gambás mortos, encontrados na beira da estrada após terem sido atropelados por automóveis que cruzam a região.
Hiaasen adora usar os seus personagens mais malucos para mostrar a degradação da Flórida: o efeito dessas "denúncias" é sempre muito engraçado e não tem, nem de longe, qualquer semelhança com "literatura engajada".

Livro: "Dupla Armação"
Autor: Carl Hiaasen
Tradução: Thelma Médici Nóbrega
Preço: R$ 27,00 (382 págs.)

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