São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Sem-terra fogem a controle de entidade ligada ao PT e radicalizam invasões

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem imagina que os movimentos de invasão de terras no interior do país são monopolizados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está enganado.
Grupos autônomos, com líderes que recorrem a retórica e práticas de extrema esquerda, surgem em diversos pontos do país e se consolidam principalmente no Norte e Nordeste.
Ainda que muitos simpatizem com o PT, os novos sem-terra agem frequentemente fora do controle do partido, praticam ocupações espetaculares, falam em "revolução", minimizam a atuação nos canais institucionais, desprezam negociações com o governo e não crêem que o MST -que tem laços estreitos com os petistas- vocalize suas demandas.
Números divulgados pelo PT assinalam 198 conflitos de terra em curso no país, envolvendo 31,4 mil famílias.
O MST reconhece sob seu controle apenas 89 dos acampamentos de sem-terra (veja quadro) existentes. Pelo menos 10,9 mil famílias invasoras não estão em sua órbita.
Embora sempre tenham acontecido invasões promovidas por grupos isolados, as dissidências vêm aumentando e diversos agrupamentos radicais já têm planos de organizar entidades nacionais para atuar na área rural.
Na Bahia, por exemplo, existe há um ano o MLT (Movimento de Luta pela Terra). Alguns de seus dirigentes são filiados ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, no início dos anos 70, empenhou-se no fracassado projeto de liderar uma revolução socialista a partir da luta armada no campo.
Em julho, no Triângulo Mineiro, surgiu o Movimento Democrático dos Sem Terra (MDST) -outro grupo de extrema-esquerda.
Rogério Sotelli, da secretaria agrária nacional do PT, constata o fenômeno: "É algo recente, talvez resultante do desemprego e da volta de famílias ao interior".
Sotelli vê duas vertentes nos novos agrupamentos: uma com origem nas divisões do MST -caso dos invasores da fazenda Santa Elina, em Corumbiara (RO), que resultou em conflito com a polícia- e outra nascida de movimentos "espontâneos", sem articulação nacional.
"Não temos o monopólio da luta pela terra", diz o dirigente Gilmar Mauro. "Ter coragem não é fazer loucura", critica o assessor do MST, Neuri Rossetto, referindo-se aos novos grupos.
A entidade, na realidade, vê com bons olhos o fato de ser classificada pelo jargão dos dissidentes como um grupo "que endireitou e faz jogo com o governo". Dirigentes acreditam que essa situação tende a consolidar o MST como o interlocutor privilegiado nas disputas de terra.
Mas ressalvam: "Não estamos apelando para a violência, mas isso não significa que o movimento ficou mais brando", diz Felinto Procópio, o "Mineirinho", da direção paulista.
Para o governo, não há distinção formal entre as invasões comandadas pelo MST e as outras. A ordem, segundo os ministros da Agricultura, Andrade Vieira, e da Justiça, Nelson Jobim, é não criar assentamentos para invasores.
As diferenças entre o MST e os movimentos autônomos é identificável nos métodos utilizados. A entidade ligada ao PT, embora tenha uma crônica passada de ações radicais, procura atualmente conciliar suas posições de esquerda com o quadro institucional do país. Tende a evitar situações de confronto armado e usa a tática do "ocupa-desocupa": famílias tomam uma fazenda, a polícia chega, o grupo se retira. Em seguida, a área é reocupada.
O MST ganhou novo lema: "Ocupar, resistir, produzir. A Reforma agrária é uma luta de todos". Já os grupos de extrema-esquerda preferem: "Ocupar, resistir, defender". O termo "defender" sugere enfrentamento e é encarado pela área de segurança do governo como uma espécie de senha para o confronto armado.

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