São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

Num jornal de Stuttgart (Alemanha), onde passei uns tempos, "Stuttgarter Zeitung", a sala de reuniões tinha no alto das paredes folhas de papel com uma longa lista de palavras proibidas. Eram lugares comuns, clichês, expressões gastas pelo uso. É verdade que muitas delas recheavam a conversação, ali, mas pelo menos ninguém as escrevia.
Na Folha não há um mural assim. Mas seu "Novo Manual da Redação" tem um verbete divertido, "cacoetes de linguagem" (pág. 58). Logo no primeiro parágrafo comparecem dois preferidos meus, por assim dizer (espero que nenhum leitor encontre exemplos em minhas colunas): "até porque" e "com direito a".
Você com certeza já leu alguma coluna, ou mesmo texto noticioso, com essas locuções pavorosas. Com sorte -ou azar-, encontrará alguma nesta mesma edição.
Exemplos possíveis: "Bráulio de tal jantou no Traviatta, com direito a tirames de sobremesa"; "Hermenegilda não tocou na salada, até porque as cenouras foram levadas pelo genro".
Toda essa longa introdução, que jornalistas chamam de nariz-de-cera, para indicar mais um crime de lesa-vocabulário: "para se ter uma idéia". É urgente incluí-lo em quantos códigos penais de redação houver, nas paredes ou manuais de Brasil e Portugal.
Não há um repórter de TV ou locutor de rádio que não a empregue antes de citar alguma cifra: "Para se ter uma idéia, foram três os tubérculos apresentados ao ministro"; "Só para se ter uma idéia, 450 apelidos foram sugeridos por fax à agência, que levantou outros 300 por telefone".
Ninguém aguenta tanta gente tendo uma única idéia.

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