São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Índios fornecem maconha ao tráfico no MA

CRIS GUTKOSKI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ARAME E GRAJAÚ (MA)

Plantações de maconha em aldeias dos índios guajajaras alimentam a principal rota do tráfico da droga no Maranhão.
O Estado é o segundo maior produtor de maconha do país, segundo a PF (Polícia Federal). A produção, estimada em sete toneladas ao ano, fica um pouco abaixo da de Pernambuco.
A PF calcula que as seis aldeias localizadas em Amarante, Grajaú, Arame e Barra do Corda produzem cinco toneladas da droga por ano -70% da produção estadual.
O cultivo da maconha para consumo próprio faz parte da cultura guajajara. O hábito foi trazido no século 19 por negros africanos.
Segundo a antropóloga Elizabeth Coelho, da Universidade Federal do Maranhão, os guajajaras usam a maconha como estimulante -para os trabalhos da caça e da lavoura- e como remédio.
A droga também é usada em rituais, como a "Festa da Moça, em que os guajajaras ficam a noite inteira cantando e dançando. Nesse ritual, as jovens em idade fértil são apresentadas à comunidade.
Os guajajaras vendem a maconha nas aldeias, áreas demarcadas e pertencentes à União, onde a PF só entra com autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio).
A maior produção da droga está concentrada na área indígena Araribóia, de 413.506 hectares -o equivalente a três vezes a área do município de São Paulo.
O tráfico ocorre pelo menos de três maneiras: os guajajaras vendem pequenas quantidades para o consumidor não-índio, vendem em grandes quantidades para traficantes ou vendem a índios de outras aldeias, que revendem a droga.
Na semana passada, índios da aldeia Morro Branco, em Grajaú, vendiam maconha -em uma lata de leite em pó de 300 gramas- para um traficante por R$ 30,00.
Na cidade, uma das principais na rota do tráfico, a lata chega ao consumidor final por R$ 50,00.
Em Imperatriz, a segunda maior cidade do Maranhão, a senha para descobrir o ponto-de-venda da droga produzida por índios é: "Onde fica a sede da Funai?"
Índios krikatis (tribo que vive em Montes Altos, a 90 km de Imperatriz) não plantam a erva em grande quantidade, mas compram dos guajajaras da área Araribóia para revendê-la a consumidores próximo ao posto da Funai. Na semana passada, um índio krikati pedia R$ 500 por 1 kg da droga.
Arame e Grajaú são as cidades maranhenses onde mais circula a maconha. As duas são ligadas pela MA-006, uma rodovia muito bem asfaltada para o padrão do Estado.
O centro de Arame tem poucas ruas asfaltadas, nenhuma atração turística e dez pequenos hotéis.
A hoteleira Lúcia de Sousa diz acreditar que boa parte dos visitantes são traficantes, que ficam até 15 dias na cidade negociando preços e quantidades com os índios.
A Agência Folha ouviu em Arame o prefeito Raimundo Barbosa (sem partido), o delegado da Polícia Militar, sargento Vieira, o padre italiano Pedro Ângelo, comerciantes, vereadores e secretários municipais. Todos sabem e afirmam que os guajajaras das redondezas plantam e vendem maconha em grande quantidade.
A venda da maconha é a quase a única fonte de renda para os índios nas aldeias e está relacionada com a miséria em que vive a maioria das tribos no Maranhão.
Os guajajaras da área Araribóia acostumaram-se a trocar maconha por sapatos, roupas, relógios, cachaça, chocolates, cigarros e pacotes de macarrão, por exemplo.
O comércio ilegal da maconha produzida pelos índios é lucrativo sobretudo para os traficantes.
Com exceção de alguns líderes indígenas que têm TV, geladeira e automóvel, a maioria dos 11 mil guajajaras no Maranhão se veste com trapos e se alimenta mal.
Na aldeia Tauarizinho, perto da entrada de Arame, não há sequer um poço artesiano. Os índios bebem uma água amarelada, salobra, que tem deixado vários doentes.
Uma família da aldeia Anjico Torto, na área Araribóia, dizia na semana passada que a produção de seus 50 pés de maconha seria trocada por uma bicicleta.
Eles estavam comendo apenas mandioca, plantada em meio a pés de maconha de quase dois metros de altura, a 300 metros da rodovia.
R.G., 20, disse que em Anjico Torto "todo mundo planta e vende" maconha para traficantes.

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