São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Quem fiscaliza o prepotente BC?

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Cláudio Mauch, diretor de fiscalização do BC, afirma que o BC não pode aceitar a proposta do governo paulista de reestruturação da dívida do governo para com o Banespa pois ela foi apresentada verbalmente. E a palavra do governador de São Paulo, não vale nada?
O que o sr. Mauch diz é quase uma ofensa pessoal. Pois então o governador do Estado mais industrializado da nação vai até Brasília, descreve o que o governo do Estado pode fazer e depois recebe uma desfeita pública desta ordem.
Possivelmente o sr. Mauch teria outros pensamentos se fosse funcionário público em São Paulo.
E será que o nosso privatizante Banco Central passaria por um exame mais rigoroso de seus deveres e obrigações? Creio que não.
Dou alguns exemplos do descaso com que o BC trata a opinião pública e o público que consome suas estatísticas (as quais estão sujeitas a mudanças sem maiores explicações).
Exemplo 1: valor do PIB superestimado propositadamente para fazer a relação dívida interna/PIB parecer menor do que é. Todos os meses o BC publica em seu boletim mensal uma tabela que chamada de "dívida mobiliária fora do BC".
O BC inventou uma abstração que denomina de "PIB anualizado". Este tomou o valor de R$ 702,7 bilhões em 1994 (tabela III.12). Mas no mesmo boletim tem-se que o valor oficial do PIB, segundo o IBGE, foi de R$ 361,0 bilhões em 1994 (tabela I.2). Diferença bem pequena..!
Exemplo 2: o BC bate o pé que deseja privatizar o Banespa. Durante anos, entretanto, enquanto operações duvidosas eram efetuadas, o departamento de fiscalização do BC parece ter andado de férias.
Será que o setor bancário privado tem tido uma performance muito melhor que a dos bancos estatais? Resposta: não!
O Brasil é um dos raros países em que nos últimos 20 anos o coeficiente "empréstimos do setor bancário ao setor privado" caiu de quase 50% do PIB em 1980 para algo como 18% entre 1992-93.
Por fim, o fato do banco ser particular não garante que ele não recorra ocasionalmente ao redesconto do BC. Foi por estas e outras "distrações" que o BC ficou emprestando dinheiro a juros quase nulos ao Econômico e depois "descobriu" que este estava quase falido.
As declarações mal educadas do sr. Mauch serviram, ao menos, para despertar as forças políticas do Estado. O prestígio que o Banespa goza junto à população se deve aos muitos anos em que ele ajudou a alavancar o desenvolvimento do Estado.
Se se trata de profissionalizar a administração do banco, o arranjo institucional que administra a TV Cultura é exemplar.
Tem funcionário do BC tão impregnado da cultura privada que se esquece que o BC é um banco público. Dada a facilidade com que se salta das diretorias do BC para as diretorias de bancos privados, isto não chega a ser uma surpresa.
Parece também que o BC deseja uma moralidade mais frouxa para si próprio. Se isto permite ganhos pessoais para os que se aposentam, isto também é fonte de distorções inaceitáveis da ética que deve existir no Banco Central.

ÁLVARO A. ZINI JR., 42, é professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, autor do livro "Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil" (Edusp, 1993).

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