São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O segredo da sonegação

OSIRIS LOPES FILHO

Em determinadas épocas, há certos assuntos que terminaram sendo considerados verdadeiros tabus, matéria proibida.
Tabu hoje é o sigilo bancário. A proposta de reforma constitucional tributária do governo FHC, num dos seus poucos pontos positivos, cometeu a profanação de timidamente propor uma disciplinação do acesso do fisco às contas correntes bancárias.
Em realidade, está sendo proposto um caminho para disciplinar, mediante lei, o modo pelo qual a autoridade tributária federal pode obter dados sobre a vida financeira dos contribuintes. É limitadíssima a redação. É unilateral e discriminatória. Titulariza-se apenas a administração tributária federal para a obtenção dos dados financeiros dos contribuintes. Se tais informações são relevantes para o controle da correção do comportamento dos contribuintes, é óbvio que devem estar à disposição das administrações tributárias em geral, e não apenas da federal.
Alguns analistas consideram que há grande emocionalismo em torno do sigilo bancário. Permito-me discordar. Não vejo emocionalismo nesse assunto, salvo algumas manifestações histéricas, que sempre as há, em domínios que tocam interesses relevantes.
As discussões a respeito, embora aparentemente emocionais, encerram profunda racionalidade. De um lado, está o fisco, no país campeão da evasão, sequioso de obter informações para comprovar movimentações financeiras sonegadas ao pagamento de tributos.
Do outro lado, os evasores e sonegadores, gente poderosa econômica e politicamente, empenhada em obstaculizar a abertura de suas informações financeiras, principalmente das operações realizadas antes da introdução do "Plano Real". O ponto nodal é mais o passado do que o futuro.
Antes do advento do "Plano Real", a inflação corroía a moeda em torno de 1% ao dia. Para não se perder dinheiro, qualquer disponibilidade era aplicada na ciranda financeira. No caso dos evasores ou sonegadores, a primeira providência era essa. Preservar o poder aquisitivo da sua disponibilidade monetária. Depois, tratava-se de dar a destinação final.
Não são apenas pegadas, rastros, pistas deixados para trás. Trata-se de marcos sólidos, monumentos ocultos da evasão, que não se quer dar transparência, para fugir à ação do fisco.
A atual Constituição, em seu art. 145, parágrafo 2º, dispôs que, para dar efetividade aos princípios da capacidade contributiva e personalização dos impostos, fica "facultado à administração tributária identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.
Pretende-se, com base no art. 5º, incisos X e XII da Constituição, que estabelecem a inviolabilidade da intimidade das pessoas e o sigilo de dados como direitos individuais do cidadão, que tais garantias são absolutas. Inexpugnáveis. Tentar desvendar a conta corrente do evasor configuraria algo pior do que a inconstitucionalidade, seria verdadeiro sacrilégio, cometido contra o direito à impunidade do evasor.
Nem na Suíça o segredo bancário é dogma. Já há hipóteses da abertura de dados financeiros. Na Itália, movimentações acima de dez mil dólares, de qualquer natureza, devem ser informadas às autoridades fazendárias.
O que é importante realizar nessa matéria é uma discussão séria, para se buscar um procedimento administrativo ou judicial, que concilie a pretensão de acesso do fisco às contas correntes bancárias dos evasores e a efetiva proteção da privacidade, intimidade e sigilo do cidadão cumpridor das leis.
Mas que se deixe claro, para os milhões de brasileiros, cumpridores corretos das obrigações tributárias, que o Congresso Nacional não vai ser garantidor ou guarda-costas da impunidade do evasor. Este país não deve continuar como paraíso da evasão e da sonegação tributária impunes.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Reformas perdem fôlego
Próximo Texto: Empregado aposentado; FGTS _ casa própria; Cadastro dos devedores; Comércio de autopeças; Guias de recolhimento; Pensão alimentícia; Venda de medicamentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.