São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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A Revolução da Propriedade e o mercado de capitais

THOMÁS TOSTA DE SÁ

O mercado acionário não é um instrumento de especulação para alguns poucos
Por trás das grandes mudanças sociais e políticas que estão marcando este final de século está se delineando no cenário econômico mundial um novo movimento transformador que poderá ser comparado à Revolução Francesa ou à Revolução Industrial. Eu gostaria de chamá-lo de Revolução da Propriedade.
No início da década de 70, Peter Druker dizia estar em andamento uma "revolução invisível", provocada pelo crescimento dos fundos privados de pensão que, hoje, parecem conquistar o mundo. Gradativamente, esse crescimento permitiu que, de forma coletiva, os trabalhadores americanos fossem aumentando sua participação acionária nas grandes companhias.
Segundo estudos recentes, em 1950, 95% das ações nos Estados Unidos eram de propriedade individual. No ano passado, 50% já se encontravam em poder dos fundos de pensão e outros investidores institucionais.
Essa revolução, marcada pela transferência da propriedade das mãos de poucos para as de muitos, somente está sendo possível porque naquele país há uma arma muito importante -um mercado de capitais ativo.
Hoje, seguindo a trilha dos pioneiros, muitos governos, inclusive da China e da Rússia, que solicitaram sua filiação à Organização Internacional das Comissões de Valores (Iosco), estão se empenhando na estruturação e fortalecimento dos mercados de capitais.
A Alemanha, que adotou modelo de desenvolvimento muito diferente do americano, estimulou seu mercado de capitais e hoje destaca-se como o país de maior potencial de expansão do mundo, segundo estudo realizado pelo prof. Sanvicente, do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais). Nesse mesmo estudo, o Brasil apresenta-se como o quinto mercado com maior potencial de crescimento.
Mas, falta ao nosso país a compreensão do papel relevante que o mercado de capitais e, de forma mais específica, o mercado acionário têm a desempenhar nesse novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, que se caracterizará no próximo século por essa grande Revolução da Propriedade.
A restrição da reforma previdenciária no Brasil somente aos aspectos administrativos atuariais deve ser abolida. Essa limitação deve ser substituída por um foco econômico e social mais amplo, que é o da formação da poupança de longo prazo para a geração de novos investimentos, novos empregos e uma justa repartição da propriedade produtiva no Brasil.
A prioridade no processo de privatização não deve ser enfocada apenas sob o prisma da solução de um problema fiscal do governo. Ela deve ser, antes de tudo, encarada como uma alocação mais eficiente do capital e, novamente, como uma forma de distribuição mais justa da propriedade. Quando ela pertence ao Estado é de todos, mas não é de ninguém, privilegiando sempre um pequeno grupo da sociedade.
O mercado de capitais e, mais especificamente, o mercado acionário devem ser os instrumentos de viabilização da reforma da Previdência e da intensificação do processo de privatização. Não é possível que se continue percebendo o mercado acionário apenas como um instrumento de especulação para poucos.
Na presidência da CVM, procurei mostrar o papel a desempenhar por nosso mercado. Critiquei a excessiva concentração de nossas Bolsas. Busquei e consegui junto ao governo apoio à reestruturação inicial do nosso órgão regulador. A CVM foi colocada em posição de destaque junto aos organismos internacionais. Foi um trabalho de equipe, que teve o apoio dos vários segmentos da sociedade. Mas há muito por ser feito.
A CVM deverá ter como meta a ampliação do número de empresas que poderão acessar os programas de capitalização via mercado de capitais. Também deverá se ater à análise das estruturas de negociações nos mercados secundários, de forma a melhorar a liquidez dos títulos neles negociados.
Na semana passada estive falando em Nova York para um grupo de investidores que pretendem aplicar num fundo de US$ 180 milhões de empresas de países emergentes da América do Sul. Uma agência do governo americano dará garantia aos investidores para as aplicações relativas a US$ 100 milhões.
No ano passado, regulamentamos na CVM um Fundo de Investimentos em Empresas Emergentes, para apoiar as pequenas e médias empresas. É necessário permitir ao investidor estrangeiro aplicar nesses fundos. Da mesma forma que não devemos, por meio de regulamentações ou tributações, desestimular a atuação desses investidores em nosso país.
A competição entre os centros de negociação é uma característica da fase de globalização dos mercados. O mercado de capitais brasileiro é um dos mais bem instrumentalizados do mundo. Contamos com um mercado de futuro essencial para a eficiência dos mercados. A BM&F é hoje a terceira bolsa de futuros do mundo. A impossibilidade da utilização de seus instrumentos no Brasil conduzirá a uma transferência das operações para fora do país.
Assim como o desenvolvimento do mercado de capitais é uma consequência do próprio desenvolvimento da economia, a recíproca também é verdadeira -um mercado de capitais eficiente também contribui para o desenvolvimento nacional.
Caberá à sociedade brasileira e, mais especificamente, às instituições de mercado atuarem para que o Brasil não fique a reboque da Revolução da Propriedade do século 21.

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