São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Anomia perturba os mercados globalizados

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A economia global talvez possa ser melhor entendida emprestando um conceito da sociologia. Lá no começo dessa ciência desmoralizada, no final século 19, o francês Émile Durkheim construiu o conceito de "anomia". Os mercados globais estão próximos da anomia.
Podemos definir hoje dois mercados de fato globalizados: o financeiro e o das comunicações.
Mas tais mercados globais vêm passando por mudanças e abalos estruturais sem precedentes.
São mercados que existem e têm uma concentração de poder inigualável, mas ao mesmo tempo parecem insubmissos e insubordináveis a qualquer lógica, regra, padrão ou norma globalizada.
Parte da globalização, o que explica mesmo o grau tão elevado da globalização é a própria "desregulamentação". A desregulamentação e até a falta de regulamentação nos grandes circuitos do dinheiro, da informação e da comunicação estimulam a globalização. Mas a falta de regras globais significa que eles passam com frequência excessiva e intensidade incômoda por ondas de instabilidade e reacomodação estrutural.
Nas telecomunicações, gigantes como a AT&T passam por desdobramentos. A empresa subdividiu-se em três, demitindo de cara mais de oito mil pessoas. Outro gigante, a ITT, promete trifurcar-se em breve. Nas comunicações, as grandes indústrias do entretenimento e da informação se reagrupam para conquistar o mundo.
Na informática, o Windows/95 tenta impor-se como padrão. Mas, apesar da propaganda, a computação ainda não convergiu para um sistema operacional universal. A Oracle considera o modelo Microsoft fadado ao fracasso.
Nas finanças, os mercados cambiais globais desafiam todas, repito, todas as teorias existentes sobre determinação das taxas de câmbio. Londres, Tóquio e Nova York negociam cerca de US$ 1 trilhão por dia sem que haja no sistema qualquer idéia minimamente consensual sobre como funcionam as taxas de câmbio.
O dólar, em dois dias, desabou até 7% na semana passada.
Para alguns, tudo tem origem no déficit comercial recorde na economia americana. Outros, no momento a maioria, acentuam a insuficiência do pacote de estímulo econômico (mais de US$ 130 bilhões) do governo japonês. Esperavam medidas firmes para sanear o sistema bancário japonês.
Mas a coisa ficou mesmo feia quando as autoridades econômicas alemãs declararam a estabilidade dos seus juros e a inviabilidade da integração da economia italiana à União Européia. A corrida para o marco gerou uma reação em cadeia que jogou o dólar no chão também frente ao marco.
EUA, Japão e Alemanha, nos últimos meses, vinham reduzindo as taxas de juros e levaram o dólar às alturas. O fato de seus bancos centrais transformarem-se agora em pivôs de situações problemáticas torna os mercados globais um pouco menos governáveis.
É mais ou menos o que o sociólogo Durkheim queria dizer com o conceito de anomia. Em seu trabalho clássico sobre o suicídio, o genial francês dizia que a mobilidade, para cima ou para baixo, acaba produzindo mais malefícios que a estabilidade. A economia do século 20, no caso, confirma a sociologia do século 19.

Texto Anterior: A Revolução da Propriedade e o mercado de capitais
Próximo Texto: O jornalismo econômico
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.