São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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O lado oculto de um cineasta

LUCIA NAGIB

Folha - A narração em off em "A Guerra do Pacífico" (Daitoa Senso) dá uma forte impressão da maneira como o governo e a propaganda enganavam as pessoas sobre o que acontecia com o exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial.
Oshima - A razão pela qual fiz "A Guerra do Pacífico" desta maneira é que, após a guerra, muitos dos chamados documentários de guerra, especialmente os importantes, eram mostrados nas salas de cinema e não na televisão. Os materiais eram todos da época da guerra, mas a narração era totalmente diferente, feita no presente, até mesmo os pretensos boletins da época eram falsos. Então eu quis fazer "A Guerra do Pacífico" de uma maneira totalmente diferente, usando as narrações dos cinejornais e dos artigos escritos na época. Não usei nada da minha própria opinião, logo a audiência ficou chocada quando foi mostrado na televisão.
Acho que eu já lhe contei a história da seita brasileira que não acreditava na derrota do Japão. Os nipo-brasileiros mostraram no Brasil um filme de guerra, quando o tratado de paz foi assinado após o bombardeio de Nagasaki. A "seita da vitória" fez uma declaração totalmente falsa: "Veja, o sr. Makkasa trocou de caneta várias vezes, ele está tremendo, então não pode assinar o tratado", e coisas desse tipo. Li isso em um artigo e fiquei impressionado. É errado pensar que a imagem sempre diz a verdade. Ela pode ser totalmente modificada pela narração.
Folha - Como o senhor relaciona seus documentários com seus outros trabalhos na TV, como os talk-shows que dirigia?
Oshima - No primeiro período dos meus documentários, usava narrações. Com o passar do tempo, mudei meu método, eu mesmo entrevistando e narrando. À medida que minhas aparições na TV aumentaram, comecei a pensar que a melhor maneira de expressar minhas opiniões era aparecendo pessoalmente. Isso está também relacionado à história da televisão japonesa.
Quando a TV começou, por volta de 35 anos atrás, as pessoas assistiam seriamente, queriam aprender coisas sobre política ou sociedade por meio da televisão. Naquele período, fiz documentários e também apareci como comentarista de política ou sociedade. Então, as pessoas começaram a fazer um uso mais pessoal da televisão. Especialmente os problemas das mulheres, havia uma grande curiosidade sobre esse assunto.
Na época, eu era conselheiro para mulheres, que expunham seus problemas na TV. Num terceiro momento, os tempos atuais, as pessoas só querem a TV como divertimento. Durante os últimos quatro ou cinco anos, porém, as pessoas se tornaram um pouco mais sérias, pois o imperador morreu, ocorreram grandes mudanças no Leste europeu, na Alemanha, na Rússia, por todo o mundo, as pessoas começaram a se interessar um pouco por essas coisas sérias. Mas a TV ainda permanece dominada pelo divertimento.
Folha - Queria que seus documentários tivessem qualquer resultado na realidade?
Oshima - Sim, eu queria mudá-la. Mas, por exemplo, fiz "Soldados Esquecidos" (Wasurerareta kogun) em 63, sobre esses soldados coreanos não-reconhecidos, que lutaram no exército japonês, e não tiveram compensações. Bem, eles estão lutando. Outro exemplo: agora se fala muito das "mulheres de conforto", as prostitutas coreanas da guerra, mas eu contei esse tipo de história 25 anos atrás, e nada foi feito a respeito. Eu fico triste em ver que a mentalidade japonesa não muda muito facilmente. Eles ainda querem esconder, abafar esse tipo de problema.

A PROGRAMAÇÃO DO CICLO MIS (av. Europa, 158) - dia 29/9, lançamento do livro, às 19h, e exibição, às 21h, de "100 Anos do Cinema Japonês"; dia 30/9, às 20h, "Kyoto, Terra da Minha Mãe" e "Soldados Esquecidos"; dia 1/10, às 20h, "Diário de Yunbogi" e "Mao Tsetung e a Revolução Cultural" Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, favo 4, Cidade Universitária, sempre a partir das 18h30) - dia 2/10, "Kyoto, Terra da Minha Mãe" e "Soldados Esquecidos"; dia 3/10, "Cem Anos de Cinema Japonês" e a palestra "O Lugar do Autor no Documentário de Oshima", proferida por Lúcia Nagib; 4/10, "Diário de Yunbogi" e "Mao Tsetung e a Revolução Cultural"; 5/10, "Goze: As Cantoras Cegas Itinerantes" e "Shoichi Yokoi: Em Busca do Mistério de seus 28 Anos em Guam"; dia 6/10, "A Guerra do Pacífico" O evento tem apoio do Museu da Imagem e do Som, do British Film Institute, da BBC Scotland e da Nippon A-V Productions

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