São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Cuidado com os apelidos

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Quando vi pela primeira vez o comercial do Bráulio pensei de cara: a Joaninha vai me ligar amanhã cedo.
Não deu outra. Foi o primeiro e o mais longo telefonema do dia. Ela estava furiosa. Rememorou seus 40 anos de ensino. Disse nunca ter visto tamanha insensatez. Dizia-se ofendida. Reclamou da televisão, do governo, dos políticos, da imprensa, da igreja e de coisas que nada têm a ver com o Bráulio e que ali entraram porque a Joaninha precisava pôr para fora uma raiva que não cabia dentro dela.
De início, pensei que o seu finado marido era Bráulio. Puxei pela memória e lembrei-me. Não era. Chamava-se Secundino. Dos seus cinco filhos homens, conheço três. Nenhum é Bráulio. Mas e os outros dois?
Achei que a raiva podia vir dali. Quis perguntar direto, mas não tive coragem. Comecei a rodear. Hipotequei solidariedade aos Bráulios que se sentiram desrespeitados. Ela continuou com sua metralhadora giratória, sem dar bola para o que eu falei. Disse-lhe, então, que meus parentes Bráulios estavam bastante chateados. Ela manteve o ritmo do destempero. Revelei simpatia pelos Bráulios que decidiram processar o governo. Ela continuou falando, falando, falando -sem dizer se tem ou se não tem Bráulio na família!
Pelo sim, pelo não, fui logo dizendo que o governo mandou tirar o Bráulio. Não será mais nome próprio. Assim como não deu certo com Bráulio, não daria com Carlito, Roberval ou Sigismundo. O novo filme não tem nada de Bráulio, nem de Quintino ou Camanducaia. Tudo foi corrigido.
Ela acha, porém, que o estrago foi feito. No Brasil, os apelidos são como as leis: há os que pegam e os que não pegam. Esse pegou, disse ela. De nada adiantou trocar o nome.
E azar dos Bráulios que toparem pela proa com uma balconista gozadora e que, na hora de conferir o cheque, pergunta com aquela ponta de riso: "Você é o Bráulio?".
A bronca mais forte da Joaninha não é contra o nome, mas contra o diálogo travado entre o Bráulio e o seu proprietário. Como professora aposentada, com mais de 70 anos, ela reconhece a importância de campanhas fortes para se combater a Aids, mas acha que, dentro da enorme criatividade dos publicitários brasileiros, deveria haver uma forma de chocar sem agredir.
A Joaninha insiste tratar-se de uma peça de mau gosto, baseada em uma estratégia grosseira e ofensiva. Se é para ir aos extremos, ponderou ela, por que não fazer logo um comercial com duas reluzentes guilhotinas, ambas informatizadas e controladas por robôs siameses?
Não consegui convencer a amiga. Desde o nosso tempo de ginásio ela cultiva opiniões fortes. Terminada a conversa, passei o resto do dia acalentando as seguintes hipóteses: para os telespectadores que pensam como a Joaninha, o comercial deve mais irritar do que atrair. Para uma outra parte, o diálogo deve soar como uma grande gozação: sua mensagem não será levada a sério.
Não sou publicitário e nem dono da verdade. Acredito, porém, que as pesquisas mostrarão que a violação do bom senso do público-alvo pode dar revertério. Vamos esperar.

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