São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 1995
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Agressões ao real: compacto dos piores lances

LUÍS PAULO ROSENBERG

Queda inesperada de inflação é sempre motivo justo de comemoração. Para o governo, entretanto, é sempre oportunidade de praticar a soberba, produzindo artigos e entrevistas nos quais a crítica é remetida, junto com os críticos, para os escaninhos das cassandras e dos inimigos profissionais da pátria.
É particularmente ridícula a arrogância dos que ousam cantar vitória até quanto à política cambial do Real, deixando de lado o fato concreto de que, após as críticas que sofreram, desvalorizaram o real em 15% e só a partir de então os números das contas externas brasileiras começaram a fazer sentido. Com chuva ou sol, portanto, analisar friamente é preciso, colocando o manual de economia sempre acima do coração.
E a verdade é que o quadro econômico está longe de ser tranquilizador. A insistência do governo, por exemplo, em pagar mais de 3% de juros ao mês para quem passa a noite abraçado a um título público é, por si só, preocupante. Se a inflação está perto de zero e dispêndios com a dívida pública devem ser economizados, para que serve tanto juro?
Excesso de cautela nunca é demais, responderia um economista sênior do governo, soltando uma baforada primeiro-mundista de seu cachimbo. Errado: se o plano vai bem, errar por excesso é imperdoável, como concordarão os demitidos e concordatários das últimas semanas.
Ou então eles sabem mais do que nós, a exemplo de um marido que impusesse à esposa o uso de cinto de castidade, revelando, com seus cuidados, muito mais sobre sua própria incompetência do que sobre a modéstia dela.
Similarmente, a volta do papo sobre reajustes de preços públicos é desalentador. Elevar o custo do empresário nacional, encarecendo o óleo combustível, é dar tiro no pé do plano. Conceder aumento para estatais monopolistas é exercitar com empresas públicas uma leniência que o mercado não faculta às empresas privadas.
Mas é violência crassa à boa teoria econômica dar reajuste de tarifas justamente às estatais que comprovem ter reduzido custos: ora, se diminuiu o custo, para que o aumento de preço? Só no Brasil cogita-se de usar o aumento da tarifa de energia elétrica como medalha de bom comportamento para a Eletrobrás.
Para o bem das contas públicas, o governo federal faria melhor peitando Covas, em vez de ceder no caso Banespa, aceitando pagar a conta dos desmandos dos governos estaduais anteriores.
É evidente que nosso atual governador não tem culpa pelas leviandades do passado. Muito menos o contribuinte do Piauí. Federalizar os rombos paulistas, além de abrir perigoso precedente válido para todos os outros Estados devedores, significa remeter aos outros Estados a conta pela nossa falha em escolher governadores.
Parece muito mais justo vender ativos do governo paulista para acertar a escrita do que exigir que a viúva federal compareça com o dela. É o que se esperaria de um estadista de São Paulo e não dando uma carga emocional à questão (quem diria que um dia cobiçaríamos, invejosos, um governador que os cariocas elegeram?).
Enquanto em Brasília evoluem as votações conducentes a novos impostos, vem aí uma queda-de-braço inédita dentro do setor privado. Todos nós, defensores da livre negociação salarial, temos de nos regozijar ao se desenrolar a primeira rodada de acordos que não ocorrerá sob o tacão de uma lei impositiva.
Mas o momento não podia ser pior. De fato, de um lado, temos empresários com vendas em queda, margens comprimidas, sufocados por juros espúrios, às vésperas de reajustes tarifários e com uma taxa de câmbio que os vulnerabiliza. Do outro lado, lideranças sindicais ávidas por recuperação de espaço político, empurradas à radicalização na busca imediata de reajustes salariais pelo nível recorde de endividamento apresentado pelos trabalhadores brasileiros, que ainda vivem a ressaca da bolha de consumo do início do Real.
São condições extremamente adversas para o aprendizado da livre negociação, propícias mesmo para o impasse, que conduz ou a mais desemprego ou a pressões adicionais pela volta da indexação. A sobrevivência do Real, portanto, exige que o governo alivie, em vez de agravar, o pano de fundo sobre o qual as negociações deverão desenvolver-se.
É cedo para cantar vitória. É tempo de endurecer e ousar, capitalizando os ganhos já alcançados no combate à inflação. Torcendo pelo Real e para que Serjão esteja logo de volta, forte e rijo, à arena política, continuando a fazer política com gosto, coragem e lisura.

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