São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 1995
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O que será?

ANDRÉ LARA RESENDE

Estive no México. Fui reavaliar minha péssima impressão de quando lá estive em abril. O sistema bancário estava quebrado e as reservas internacionais abaixo do nível crítico. A desvalorização cambial reduzira brutalmente o poder aquisitivo dos salários. Parecia impossível evitar que as legítimas demandas de recomposição reacendessem a perversa espiral inflacionária. O presidente recém-empossado estava fraco. Falava-se abertamente na possibilidade de renúncia. O todo poderoso PRI, o partido oficial, cindido e perplexo, dava sinais de que não sobreviveria.
Desta vez conversei com ainda mais gente: ex-ministros, congressistas, quase candidatos à Presidência, economistas, empresários e consultores. Estive no Congresso, no Ministério da Fazenda, no Banco Central e na comissão de bancos e valores. Uma maratona. Eu vinha de uma semana de Europa e andei pelas ruas da Cidade do México. Implacável contraste. Tristes semblantes, o cheiro de fritura dos ambulantes, nas cores vivas do subdesenvolvimento. Mais labirinto da solidão do que expresso para o Primeiro Mundo.
Pois voltei convencido de que o México está realmente em transformação. O esforço de ajuste fiscal é enorme. O déficit em conta corrente do balanço de pagamentos foi revertido. A política para superar a gravíssima crise bancária é serena e inteligente. Mas ainda há uma certa perplexidade sobre as causas da crise do final do ano passado.
Num extremo, a ortodoxia de um diretor do Banco Central que nos explica, com uma ponta de arrogância juvenil, que tudo não passou de um pequeno acidente de percurso: a política monetária do ano passado foi um pouco folgada, o que, associado ao assassinato de Colosio, candidato do PRI em campanha presidencial, deu margem a um comportamento irracional dos investidores. No outro, a desconfiança de que a crise tem raízes mais profundas, num regime político arcaico e excludente.
É provável que os dois tenham razão. Surpreendente é quão pouco se questiona a opção pelas reformas estruturais em direção a uma economia aberta e competitiva. Ouvi na Câmara um discurso articulado e comovente de uma deputada do PRD, o partido de oposição à esquerda, cobrando a dívida social. Chamou minha atenção na ladainha de pequenos discursos burocráticos que se sucediam no burburinho de um plenário, como em toda parte, desatento. Nada de novo sob o céu.
Voltei via Washington. No vôo de volta vi na primeira página do "New York Times" uma enorme foto da mãe da brasileira assassinada no Central Park. Assassinada a pauladas. Crime bárbaro, subdesenvolvido. Por trás do estilo jornalístico convencional, a repórter deixa transparecer uma genuína admiração pela atitude extraordinária dessa mãe. Nem uma ponta de rancor. Só dor e compaixão. Que será de nós, pergunta, as mãos postas diante do prefeito atônito.
Na Cidade do México o desemprego aberto mais do que dobrou desde o início do ano. O produto interno caiu quase 10% ao ano. A recessão é para valer. A criminalidade urbana aumenta vertiginosamente. O México, tenho certeza, superará a crise e avança para a integração com os Estados Unidos. Bom, mas não basta.

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