São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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144 mil vidas

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

A juíza Celene Maria de Almeida suspendeu o programa de estímulo às fusões de bancos que até o momento já canalizou, segundo informações (Folha 17/12, Pág. 1-8), R$ 4,19 bilhões em recursos públicos para garantir a incorporação do Banco Nacional pelo Unibanco. Salvou-se, "meritória e humanitariamente", uma família em dificuldades financeiras.
Segundo o nosso presidente, a juíza exorbitou. No meu entender, a juíza exorbitou em magnanimidade porque simplesmente suspendeu a ajuda. Não prendeu ninguém, como aconteceria em qualquer país democrático sério se algum banqueiro rompesse com a confiança dos cidadãos. Na realidade, aconteceu o previsível: as pressões foram fortes e os R$ 4,19 bilhões serão gastos em apenas um banco.
Aproveitando minha forte ligação com a área da saúde, fiz um exercício para dimensionar os benefícios que esses recursos propiciariam se aplicados no setor.
Se fossem realizados exames de Papanicolaou em 80% das mulheres em risco, gastar-se-iam R$ 300 milhões e se pouparia a vida de 7 mil mulheres. Com R$ 225 milhões, poder-se-ia ampliar o programa de controle do câncer de mama e preservaríamos a vida de 4 mil mulheres por ano.
Para combater a mortalidade materna, bastaria que financiássemos três consultas a mais por gestação e oferecêssemos planejamento familiar em 40% dos centros de saúde da rede pública. Com R$ 70 milhões para pagamento de consultas e compra de anticonceptivos, diminuiríamos pela metade a mortalidade materna, preservando 3 mil vidas por ano. Equipando-se berçários e maternidades para o atendimento de alto risco (200 milhões), diminuiríamos pela metade a mortalidade perinatal e evitaríamos 30 mil mortes de recém-nascidos.
Para combater a mortalidade infantil, poderíamos criar creches em áreas físicas já existentes para 5 milhões de crianças de 0 a 2 anos. Com isso, teríamos 60 mil vidas salvas a cada ano, gastando-se R$ 1 bilhão.
Se a isso acrescentássemos os programas para a prevenção de hipertensão e diabetes para a população de maior risco, gastando R$ 660 milhões, teríamos 30 mil mortes a menos, e com um programa de prevenção de acidentes, impediríamos outras 10 mil mortes por ano com R$ 100 milhões.
Para poupar 144 mil vidas em 1 ano, investiríamos R$ 2.575 bilhões, que é apenas 60% do que se vai gastar para "salvar" a família Magalhães Pinto da inadimplência. Sobrariam R$ 1,5 bilhão para a educação, segurança e moradia, oferecendo à população o que realmente significa desenvolvimento: qualidade de vida e cidadania.
E ainda se diz que a juíza exorbitou!

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