São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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Alertas e previsões

FERNANDO BEZERRA

É uma praxe saudável, ao final ou início de cada ano, passarmos em revista os acontecimentos que nos tenham afetado mais diretamente, ao mesmo tempo em que buscamos avançar previsões e alertas ao futuro imediato. Quando ocupamos cargos públicos, esse costume torna-se uma espécie de exigência.
1995 é o primeiro ano em que vivemos nas condições de estabilidade financeira depois do longo ciclo de persistente inflação. Como cidadãos e consumidores, tivemos ganhos expressivos. O Plano Real foi ao encontro da maior aspiração do nosso povo: livrar-se da corrida, fadada de antemão ao fracasso, para proteger-se da espiral dos aumentos de preços.
Quanto à indústria, tampouco temos saudade da inflação. Somos também os primeiros a reconhecer a necessidade de nos adaptarmos aos novos tempos de globalização econômica, que impõem complementaridade, em vez de economias estanques e fechadas.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é fruto desse entendimento, e as regras cuja observância incumbe-lhe assegurar são uma garantia de que a formação de blocos econômicos não afetará a liberalização do intercâmbio comercial entre as nações.
A indústria brasileira apostou na competitividade e na incorporação de tecnologia, em consonância com as exigências da abertura econômica. A exportação de produtos manufaturados continua ocupando lugar de destaque entre nossas vendas ao exterior. O Brasil inclui-se hoje no seleto grupo de países cujas empresas, em número expressivo, obtiveram certificados de qualidade tão exigentes como os contidos na série ISO 9000.
Contudo, e lamentavelmente, nem tudo são flores. A indústria termina o ano de 1995 com um crescimento da produção entre 2% e 2,5%, quando, no início do ano, esperávamos 7,5%, reduzindo-se o emprego industrial em 1%. Nem todos os segmentos foram afetados; o governo não tem dado mostras de compreender essa diferenciação e, na formulação de suas políticas, não tem ouvido as entidades representativas dos setores com maiores dificuldades.
Além disso, nossas autoridades revelam estar desatentas para a prática de "dumping". Quando apresentamos nossas reclamações, a primeira reação é sempre de desconfiança quanto à sua procedência. Em consequência, as medidas para enfrentar a realidade têm tardado em demasia.
O governo resiste também ao clamor contra os juros astronômicos, prática que continuou inalterada, apesar do sucesso do Plano Real. Em contrapartida, setores expressivos da opinião entendem ser preciso urgentemente, ao lado da reforma fiscal, retomar o processo de privatização, canalizando os recursos daí advindos para baixar os patamares em que a dívida interna precise ser rolada.
A realização de empréstimos, prática normal das empresas nas economias de livre mercado, entre nós tornou-se o caminho da inadimplência, concordata e falência.
Ao mesmo tempo, a rigidez cambial é absolutamente incompatível com a ausência de providências para reduzir o "custo Brasil", notadamente a desoneração tributária de exportações e investimentos. A visão imediatista baseada na âncora cambial-monetária deve ser substituída por uma combinação de política fiscal e monetária que promova condições indispensáveis à estabilidade de longo prazo.
Por tudo isso, em 1996 vamos insistir em que o governo elabore, de forma definitiva, uma política industrial de médio e longo prazos, evitando as improvisações tornadas evidentes nos avanços e recuos em matéria de tarifas aduaneiras. E, sobretudo, que o faça em comum acordo com as partes interessadas.
Esperamos ainda que, no próximo exercício, venha a ocorrer ação em sintonia do empresariado em seu conjunto, a partir de uma agenda consensual, calcada nos princípios básicos que devem estar presentes numa sociedade que se quer livre e democrática.
Embora não tenhamos logrado constituir uma entidade superior coordenadora da representação empresarial como um todo, a exemplo de numerosos países, nas últimas reformas votadas pelo Congresso o empresariado conseguiu atuação mais sintonizada.
Acredito firmemente que a atuação conjunta do empresariado brasileiro teria grande impacto sobre a opinião nacional, convencendo-a do papel que nos incumbe na geração de riqueza e de empregos, principal forma de erradicação da indigência e da pobreza.
1996 deve ser também o ano em que o Congresso Nacional deverá votar, antes das eleições municipais de outubro -portanto, ainda no primeiro semestre- as reformas requeridas pela consolidação do Plano Real. Será essa a base para empreendermos o caminho que nos levará a novo e prolongado período de desenvolvimento econômico, sem inflação, permitindo que resgatemos, finalmente, a nossa imensa dívida social.

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