São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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Guerra de fumaça

GILBERTO DIMENSTEIN

Apesar da monumental campanha contra o fumo, cada vez mais jovens acendem um cigarro nos EUA. Desorientados, os responsáveis pela saúde pública não sabem ainda onde estão errando.
Na maior pesquisa já realizada no país, a Universidade de Michigan entrevistou 50 mil jovens e constatou que, desde 1991, o consumo de cigarros subiu 30% entre estudantes.
Justamente neste período, com as descobertas sobre os efeitos do cigarro nos não-fumantes, a ofensiva contra a indústria tabagista ganhou um tom de cruzada cívica.
A cruzada produziu cenas patéticas, numa sociedade com tendência ao exagero: pessoas tremendo de frio e fumando debaixo de neve ou chuva, fora do prédio. Nem os negros sofreram aqui semelhante discriminação espacial.
Os resultados apenas mostram como a guerra é desigual mesmo nos EUA. Com seu bilionário faturamento, a indústria do fumo usa gênios da publicidade e associa o cigarro a virilidade, juventude, ousadia e até saúde. Espertamente, patrocina festivais de rock e pilotos, atando a imagem de ídolos ao cigarro.
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Se a guerra já é desigual aqui, imagine aí. Nem de longe a ousadia da indústria do fumo americana se compara à brasileira. A prova está numa entrevista de Flávio de Andrade, novo presidente da Souza Cruz, com um faturamento anual de US$ 4 bilhões.
A Souza Cruz anunciou um lobby para reduzir o imposto sobre o cigarro e, assim, baratear o preço, aumentando o consumo. Na sua opinião, é uma boa idéia para o país: com mais consumo, mais impostos.
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Um presidente da República sério deveria proibir que tal maluquice sequer fosse estudada dentro do governo -afinal, o governo é responsável pela saúde da população.
PS - Se a proposta passar é prova do velho ditado: onde tem fumaça tem "fogo".
Ironia do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, ferrenho antitabagista, a esta coluna: se o ministro da Saúde, Adib Jatene, apoiar a redução do imposto do cigarro, ele topa.
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Podem me chamar de tolo, tudo bem -mas acho que os artistas não deveriam participar de shows patrocinados por cigarros, já que emprestam sua imagem.
Também acho (e aí que vão me chamar de tolo irremediável) que as empresas de comunicação deveriam recusar a publicidade em nome da saúde de seus leitores -empresas americanas resolveram recusar os anúncios, apesar da perda de arrecadação.
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As pesquisas Datafolha sobre a avaliação sobre o presidente, governadores e prefeitos mostram popularidade alta; até os que estão embaixo da lista têm uma razoável dose de prestígio. Aqui uma lição.
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O ambiente de inflação baixa com crescimento econômico produz uma taxa de satisfação -uma satisfação que, em diferentes graus, favorece personagens que pouco têm a ver com a ofensiva contra os preços, como prefeitos e governadores.
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No geral, os prefeitos e governadores são defensores de mais gastos, mesmo à custa da inflação, a fim de apresentar obras a seus eleitores -mais difícil, entretanto, agradar um eleitor enraivecido com a inflação e disposto a culpar todo e qualquer poder público.
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PS - A inflação baixa é um dos motivos para entender por que, apesar de todo o noticiário em torno de Sivam e pasta rosa, cresceu o apoio a Fernando Henrique Cardoso.
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Há mais um detalhe e, aí, afeta diretamente a imprensa: tantas foram as denúncias contra o poder público nos últimos anos que se banalizaram. Grande parte da opinião pública simplesmente desconsidera ou não presta atenção.

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