São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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Máquinas agrícolas

ANTONIO DELFIM NETTO

Existem duas formas de reduzir a taxa de inflação: a difícil e a fácil. A difícil e dolorosa, implica a construção do equilíbrio interno e externo. A fácil, a mais frequentemente utilizada, é fixar a taxa de câmbio à moeda de um país com pequena inflação. Ela tem sido muito utilizada por muitas economias e em épocas diferentes. Com a fixação da taxa de câmbio nominal, espera-se "importar" a inflação baixa vigente no parceiro de referência.
A velocidade de convergência das taxas de inflação depende, entretanto, da importância relativa dos bens não-transacionáveis. Como há sempre um razoável resíduo que continua impulsionando os preços dos bens não-transacionáveis, a taxa de inflação interna se mantém mais elevada do que a externa, o que produz um dos fatos estilizados mais notáveis desta forma de estabilização: a sobrevalorização cambial. Esse processo quase sempre coincide com uma expansão do nível de atividade interna -outro fato estilizado- e caminha-se rapidamente para o desequilíbrio nas contas externas.
Na ausência de um forte ajuste fiscal, a política monetária é obrigada a carregar todo o peso do precário equilíbrio. Produz-se uma enorme constrição de crédito e uma forte elevação da taxa de juro interna. A redução do nível de atividade melhora a situação externa (ajudada por uma pequena correção cambial) e a taxa de juro estimula a entrada de capital volátil. Criam-se, assim, as condições para a tragédia da "stop and go". A cada tentativa de ampliar o nível de atividade reaparecem os mesmos problemas, porque não há resposta das exportações que crie espaço para as importações.
Todas as atividades econômicas são, assim, sujeitas a um "efeito concertina", expandindo-se e retraindo-se ao sabor do voluntarismo da política econômica, até serem desorganizadas. Um exemplo dramático daquele efeito ocorre no setor de produção de máquinas agrícolas. A tabela abaixo revela a venda trimestral de tratores e colheitadeiras nos meses homólogos de 1994 e 1995:
Como é possível imaginar que um setor altamente capital intensivo possa sobreviver com variações tão fantásticas de demanda? O pior é que nem sequer houve penetração de produto importado. Há alguns anos a demanda tem sido insuficiente para repor a depreciação do estoque de máquinas, mas o ano de 1995 revela o fundo do poço da agricultura brasileira.
A consequência é que as empresas nacionais produtoras de máquinas agrícolas, menores e com menor acesso ao crédito externo, vão sendo submetidas a prejuízos que liquidam a sua eficiência e lhes impõem custos financeiros insuportáveis. A pouco e pouco estamos construindo uma estrutura produtiva monopolista, apoiada nas empresas estrangeiras. Isso não tem grande importância enquanto o câmbio continuar sobrevalorizado, mas os seus efeitos serão diferentes quando ele tiver de voltar, um dia, ao equilíbrio.

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