São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Economia, educação e cultura

ALOIZIO MERCADANTE

Os dados oficiais revelam que 3,1 milhões de brasileiros viajaram para o exterior em 1995, sem contar as 12 milhões de viagens que os muambeiros do Paraguai fazem na fronteira.
A motivação principal das viagens são as compras. Os brasileiros descobriram que a única coisa barata no Brasil é o dólar! A política cambial que prejudicou as exportações, o crescimento econômico e o nível de emprego, pelo menos possibilitou que mais gente viajasse para o exterior.
Mas será que as viagens serviram apenas para comprar? Acho que não. Os brasileiros foram beber também um pouco da cultura universal.
As crianças brasileiras no exterior ficam deslumbradas com o Museu da História Natural de Nova York ou o La Villette, em Paris. Os adultos, entusiasmados com a diversidade dos acervos, se deliciam com as esculturas de Rodin, Degas e a beleza das várias escolas da pintura em Rembrant, Monet, Van Gogh, Goya, Picasso e Miró, além dos novos e polêmicos trabalhos da vanguarda contemporânea.
Nova York recebeu 25 milhões de turistas, atraídos pela força de sua cultura e, também, porque cada um de nós se sente íntimo do Central Park, pelos incontáveis seriados de TV ou filmes mais elaborados de Woody Allen e tantos outros.
O Japão entendeu a importância da cultura no estímulo ao turismo. Nos últimos oito anos, o Japão construiu nada menos de 200 museus. O Museu da História de Tóquio, inaugurado em 1993, custou US$ 550 milhões; o Museu da Arte Contemporânea, de 1995, US$ 600 milhões.
O Brasil não está sendo capaz de construir uma política cultural consistente, que impulsione a construção de nossa identidade cultural, reafirme nossos valores, resgate nossas raízes e expresse nosso talento.
Não se constrói uma nação sem cultura, especialmente frente a esse processo acelerado e selvagem de globalização econômica. O cinema, os museus, o teatro, a dança, a poesia, a literatura, a ópera e os corais continuam sem qualquer política de fomento e apoio.
A última exposição de Rodin mobilizou cerca de 150 mil paulistanos, que ficaram horas na fila, e, no Rio de Janeiro, mais 200 mil pessoas. A exposição de Miró é um sucesso.
No Brasil há público, interesse e mercado para a cultura. O que falta é elite dirigente. A cultura é fundamental para a cidadania e para o turismo moderno, um dos mais dinâmicos e promissores setores da economia internacional e grande gerador de empregos. Nosso país tem um imenso potencial turístico. Falta competência e vontade política.
Tenho certeza que os turistas que saíram do Brasil também sentiram no cotidiano a importância da educação nos países ricos e industrializados.
Nos EUA, o debate sobre educação está todos os dias na primeira página dos principais jornais do país. O estudo, promovido em 1982 pelo próprio governo para diagnosticar a educação, cujo título sugestivo é "Uma Nação em Risco", concluiu que "estamos de forma unilateral desarmando o país", bem ao gosto da guerra-fria" ... "se uma nação estrangeira tentasse impor aos EUA este medíocre sistema educacional, sentiríamos como um ato de guerra".
Na cidade de Nova York, o custo por aluno na rede pública é de US$ 6.000,00 por ano e cada sala de aula está informatizada; no Brasil, a grande meta do governo federal é chegar a US$ 300,00.
O que mais chama a atenção é a mobilização da própria sociedade para impulsionar a educação e a cultura. Em uma campanha recente por recursos, a Universidade de Columbia recebeu de um único aluno a doação de US$ 28 milhões.
Uma universidade no sul do Mississipi recebeu de uma senhora negra de 87 anos, Oseol Mc Canty, US$ 150 mil em notas pequenas de um dólar e moedas. A economia de toda uma vida de uma mulher semi-analfabeta, lavadeira, que teve como objetivo permitir aos outros terem o diploma que ela nunca pode ter. Um gesto que emocionou o país.
Temos algum "custo Brasil", que tanto reclamam os empresários, mais alto do que o atraso educacional? Duvido.
Os últimos estudos do próprio Banco Mundial mostram que um ano a mais na escolaridade da população representa um aumento médio de 4,5% no PIB.
A educação e a cultura são os problemas econômico e político mais graves do Brasil e a base de construção de uma nação. Minha esperança é que esses 3,1 milhões de brasileiros que tiveram o privilégio de viajar para o exterior e que são formadores de opinião voltem com um pouco mais do que bugigangas na bagagem. Voltem com a consciência de que este país precisa verdadeiramente eleger como prioridade a educação e a cultura.

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