São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Agora, economia de guerra

ALOYSIO BIONDI

A equipe FHC está subestimando o risco, concreto, de a economia e o Plano Real desembocarem em um desastre, já nas próximas semanas. Até agora, a quebra das safras agrícolas está sendo enfrentada com medidas tímidas, isoladas, de "socorro" a esta ou aquela região atingida por secas e inundações. A gravidade da situação, no entanto, exige uma política de emergência para toda a agricultura, com a cooperação dos governadores de Estado, para evitar o pior.
Com a disparada dos preços de alimentos, que já começou, haverá reflexos negativos em todas as áreas da economia: a população de baixa renda gastará mais com comida e terá menos dinheiro para outras compras (agravando a recessão); a alta do custo da cesta básica, que rompeu a barreira dos R$ 110,00) puxará a taxa de inflação para cima; os juros voltarão a subir, agravando a situação das empresas e consumidores (há nada menos de dois milhões de carnês em atraso, em São Paulo, contra a média normal de 600 mil...); o aumento da inadimplência afetará os próprios bancos -e, ao mesmo tempo, em um fenômeno paralelo, o "rombo" da balança comercial crescerá, devido aos gastos maiores com as (difíceis) importações de alimentos e faturamento menor com as exportações, por falta de "excedentes" aqui dentro.
O uso de óculos cor-de-rosa tem levado a equipe FHC e analistas a terem sempre uma explicação otimista e previsões de "rápida normalização" para todo e qualquer problema.
No caso das colheitas, afirma-se até agora que o problema "não preocupa", porque "o governo tem estoques", ou, se eles não forem suficientes, o Brasil poderá importar, "pois tem reservas em dólares".
Santa ignorância cor-de-rosa, que despreza a situação do mercado agrícola mundial; ela é grave, com escassez de produtos, desde julho/agosto do ano passado. Um fenômeno que a equipe FHC ignorou, ao ponto de ter adotado medidas para reduzir o plantio no Brasil.
Alguns detalhes desse quadro: para o milho, cujos preços subiram 55% no mercado mundial em 1995, já em setembro os estoques dos EUA eram de apenas 200 milhões de "bushells", contra 720 milhões um ano antes; a soja está cotada em Chicago a US$ 270 a tonelada para o próximo mês de março, com 100% (é 100% mesmo) de aumento sobre setembro; o trigo também duplicou de preço, de março para cá.
E o arroz? O governo tem estoques de apenas um milhão de toneladas. E o tão falado frango? Seus preços forçosamente serão puxados pela alta das rações (milho e soja). E a carne? O Brasil comprou 270 mil toneladas da Argentina, em 1995. Agora, com a seca, a Argentina começou a importar carne (de segunda) do Brasil. Pressões sobre todos os preços...
Quais as medidas de uma economia de guerra para reduzir a quebra de safras e seus efeitos? Não basta dar crédito apenas para o replantio de culturas destruídas em certas regiões. É preciso fornecer dinheiro a todos os agricultores, para o uso de fertilizantes, defensivos etc., com aumento da produtividade. Campanhas seriam desenvolvidas pelos governos de Estado, que estimulariam ainda o plantio tardio em regiões favoráveis ("safrinhas").
Finalmente, seriam revistos (aumentados) os preços mínimos, e o governo providenciaria a compra das colheitas do produtor, para evitar que somente os atravessadores se beneficiem com a alta de preços. Importante dessa medida: o aumento da renda de milhões de agricultores é o caminho para compensar a perda de poder aquisitivo (resultante do encarecimento da comida) de milhões de consumidores, atenuando-se assim o agravamento da recessão. Quem avisa não é "catastrofista".

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