São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Empréstimo compulsório camuflado

OSIRIS LOPES FILHO

O espírito de grandiosidade preside o governo. A obra que ele pretende realizar desdenha os detalhes para se concentrar na tentativa das realizações dotadas de magnitude. A coisa miúda e o pormenor não desprezados, mesmo quando consistem em real aperfeiçoamento de nossas instituições.
O exemplo recente são dois vetos presidenciais à lei do Imposto de Renda da pessoa física. Por excelente inspiração parlamentar, foi proposta emenda no projeto governamental de disciplinação do IR, com o direito à compensação, nos casos de demora da restituição.
Os vetos incidiram nos parágrafos 1º e 2º do artigo 39. O parágrafo 1º dispõe que "o contribuinte, pessoa física, com direito à restituição do Imposto de Renda, poderá utilizar o valor de sua restituição para compensação com o Imposto de Renda que tenha a pagar, a partir do décimo mês após a entrega da declaração em que se apurou imposto a restituir".
O parágrafo 2º estabelece que "o contribuinte só poderá fazer a compensação de que trata o parágrafo anterior após haver comunicado à Secretaria da Receita Federal a intenção de a ela proceder, com dois meses de antecedência e desde que a secretaria não lhe tenha informado, nesse prazo, que a declaração de rendimentos correspondente contém irregularidade que esteja sendo objeto de verificação fiscal".
Esses vetos demonstram traço autoritário medieval e absoluto desprezo pela situação da classe média, contribuinte quase que exclusivo do IR da pessoa física.
A classe média tem padecimentos múltiplos com esse imposto. Paga além da sua capacidade contributiva, vê desrespeitado o princípio da progressividade e, quando se acena com um alívio tributário, ele se dirige aos ricos, que a nova lei premiou com a eliminação da alíquota de 35%.
A nossa legislação adotou a sistemática de bases correntes, versão tupiniquim do "pay as you earn", anglo-saxão, vale dizer, paga-se o imposto tão logo se tenha a renda.
O fato gerador do imposto, que era anual, passou a ser mensal. A idéia central é a de que, na declaração anual de ajuste, as diferenças de imposto a pagar ou a restituir sejam pequenas.
Não há sincronia entre a incidência mensal e a anual. Permitem-se poucas deduções no mês. O mais frequente é que a grande massa de contribuintes, após a apresentação da declaração de ajuste anual, tenha direito a significativa restituição. A obtenção dessa restituição é sofrida. Pode demorar anos.
Os dois dispositivos vetados são altamente moralizadores e aperfeiçoadores das relações do fisco com os contribuintes. Obrigam a administração tributária a ser rápida e eficiente. O parágrafo 2º é racional, pois estabelece um mecanismo viável para a compensação.
O veto presidencial, em realidade, está perpetuando uma modalidade de empréstimo compulsório inconstitucional. Não restituir o que foi pago indevidamente constitui modalidade elíptica de empréstimo compulsório, vedada pela Constituição.
Essa retenção indevida consiste em efetivo confisco temporário de recursos alheios pela União. A esperança é que o Congresso, honrando a sua criação, pois os dois dispositivos resultaram de emenda parlamentar, derrube o veto presidencial, anacrônico e injusto.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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