São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Brasil e o mito da segurança - 3

LUÍS NASSIF

A análise da formação econômica brasileira mostra que uma das piores pragas da herança colonial portuguesa foi a busca da segurança absoluta, que se entranhou profundamente na cultura social brasileira.
No plano das pessoas físicas, a manifestação máxima dessa síndrome foi o sonho da aposentadoria precoce e do emprego público.
Até que o Estado deixasse de ser a grande mãe, a maior parte dos jovens brasileiros trocava as oportunidades de novos empreendimentos, os desafios de setores dinâmicos e a possibilidade de melhores salários por abrigar-se no Estado, contra o desafio cotidiano exigido por empregos competitivos.
Até que a Previdência se inviabilizasse, grande parte dos jovens começava sua vida profissional tendo por objetivo maior marcar tempo, enquanto sonhava com o ócio proporcionado por uma aposentadoria precoce.
No plano empresarial, a busca da segurança passava pela eliminação da concorrência. Para tanto, recorria-se a um arsenal variado, que ia de normas administrativas e burocráticas (reservas de mercado, exigências variadas de habilitação profissional) até o controle político sobre os mecanismos de crédito.
Morte e senilidade
Essa cultura cartorial -ainda não completamente superada- foi responsável por dois prejuízos enormes ao desenvolvimento brasileiro.
Numa ponta, ao longo dos tempos provocou índices recordes de mortalidade infantil entre as pequenas empresas, que constituíam o lado desprotegido da economia. Na outra, foi a responsável pela senilidade precoce dos segmentos superprotegidos.
O foco de suas energias desviava-se da capacitação empresarial para as articulações políticas. Quando o modelo político que os sustentava se esboroava, seu império desabava. E eles continuavam dependurados no Estado, até que a morte os levasse definitivamente.
História
Ocorreu com os traficantes de escravos, durante determinado período o setor mais afluente da vida nacional. Ocorreu também com seus principais adversários -a nascente burguesia cafeeira paulista.
No século passado, os cafeicultores paulistas se constituíam na classe empresarial mais dinâmica do país. Fizeram-se em torno do rastro civilizador do café, sem depender de favores da Corte, vencendo os privilégios dos nobres e dos rentistas do tráfico escravagista.
Os desafios tornaram-nos rijos e criativos. Foram elementos fundamentais na proclamação da República. Conquistado o poder, caíram vitimados pela sina política brasileira.
Os políticos e os militares de Floriano assumem o controle da máquina pública; eles, o comando da política de crédito, por meio do Banco do Brasil.
A partir daí, vivem seu apogeu e cavam sua sepultura. O acesso a crédito fácil, a falta de desafios, a capacidade de manipular a política cambial a qualquer dificuldade maior matam completamente sua capacidade de inovação.
A ética do trabalho é substituída pelo fastígio. Tornam-se poderosos e relaxados. As gerações seguintes estavam mais preocupadas em promover semanas culturais e em cultivar suas amantes polacas e francesas do que em se dedicar aos negócios.
Quando sobreveio a crise de 29, derrubando a República Velha, a opulenta e sofisticada casta dos cafeicultores do Império tinha se transformado em um grupo preguiçoso e decadente.
Fundo de quintal
Pensou-se, na época, que a economia brasileira tinha virado fumaça. Foi do fundo dos quintais, por intermédio de imigrantes, filhos de imigrantes, pequenos comerciantes, artesãos e profissionais liberais, que o país deu a volta, mantendo-se à tona até a reviravolta industrial do pós-guerra.
Mesmo os imigrantes que conquistaram fortuna posteriormente e se encostaram no poder político não resistiram aos novos tempos.
No fundo, com exceção de alguns grupos empresariais, que conseguiram se consolidar e resistir à decadência das gerações seguintes, o dinamismo da economia brasileira sempre foi construído por pequenos empreendedores, imigrantes e migrantes que tiveram de construir seus negócios a partir do primeiro tijolo.
O dinamismo das novas regiões colonizadas -como sul do Mato Grosso e Goiás- repete a extraordinária experiência do Paraná e Santa Catarina nos anos 60 -todos construídos pela impaciência dos que não aceitaram a situação acomodada e sem oportunidades de suas regiões de origem.
No fundo, o grande desafio brasileiro consiste em criar um ambiente econômico moderno, com acesso democrático de todos aos mecanismos de crédito e investimento. E combater toda forma de concentração de poder econômico, seja no âmbito setorial ou no regional.

Texto Anterior: Tecnologia não resolve problemas do século 20
Próximo Texto: Argentina moderniza a compensação de cheque
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.