São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Ex-menino de rua hoje é executivo nos EUA

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

"Alguém lá em cima deve gostar muito de mim." Esta é a frase que o norte-americano Bernard Pressley, 46, usa com frequência para explicar sua transformação de ex-menino de rua em executivo de uma das mais importantes companhias telefônicas dos EUA.
A história de Pressley lembra a de Billy Ray Valentine, personagem de Eddie Murphy no filme "Trocando as Bolas". Como Murphy, sua saída da vida semimarginal para o mundo dos negócios foi orquestrada.
No filme, dois irmãos milionários usam Murphy como cobaia de uma aposta: checar se um mendigo promovido a um cargo importante de uma corretora de valores conseguirá ser bem-sucedido ou colocará tudo a perder.
Com Pressley, a história foi um pouco diferente. Aos 17 anos, ele havia abandonado a escola e andava pelas ruas de Nova York fazendo "bicos".
Como gostava de escrever, entrou num curso de extensão gratuito sobre roteiros de cinema. Logo chamou a atenção de um dos coordenadores do curso, o antropólogo Herbert Heaton, na época ligado à Fundação Rockefeller.
"Eu havia escrito uma peça e ele gostou. Heaton acreditava que, com acesso à boa educação, qualquer jovem pobre, mesmo os que haviam abandonado a escola, como eu, conseguiriam ser alguém."
Para provar sua teoria, Heaton convenceu amigos seus a darem a Pressley uma bolsa para que ele fosse estudar na Faculdade Skidmore, uma das mais caras e respeitadas de Nova York.
"Foi um choque para mim. Primeiro, pela questão racial. Quando morava nas ruas, só andava com negros. Dos 2.500 alunos em Skidmore, só havia uns 50 que não eram brancos. Parece besteira, mas eu me sentia como se estivesse em outro país."
Outro choque foi o social. "Todos os meus colegas vinham de famílias de classe média alta. Nos fins-de-semana, eles iam para as mansões de campo. Eu ficava na escola. Pouca gente sabia de onde eu vinha."
Por um tempo, ele mesmo fez questão de esquecer de onde tinha vindo. "Passei a me comportar como se minha vida tivesse começado ali. Fingia que eu era órfão. Foi tão dramático que hoje eu não consigo lembrar de muita coisa da minha adolescência."
Quando saiu de Skidmore, Pressley entrou na Universidade de Albany, para estudar administração de empresas. "Só me dei por satisfeito quando recebi o título de mestre, em 1978."
Ser bem-sucedido era "uma questão de honra". Pressley diz que tinha dois estímulos: provar que Heaton estava certo e conseguir ser o primeiro da família a ter diploma universitário.
"Quando entrei em Skidmore, minha mãe havia acabado de amputar os pés. Ela tinha lepra e sofreu a vida inteira por causa da doença. Nos primeiros dias de aula, sempre que pensava em desistir, me lembrava dela."
O primeiro emprego de Pressley foi no setor de crédito de uma loja de departamentos em Milwaukee (Wisconsin, Meio-Oeste do país).
"Fui para lá em janeiro de 1979, atrás de uma namorada. O relacionamento não deu certo. Mas fui promovido a diretor e transferido para a Carolina do Norte."
Durante 11 anos, Pressley trabalhou na mesma empresa em Charlotte (Carolina do Norte). Nas férias de fim de ano, ia para a casa de ex-colegas de faculdade.
"Gostava de passar o Natal com meus amigos porque eles tinham famílias bem estruturadas. Eu tentava imaginar que era parte daquilo, me esforçava para esquecer que minha família de verdade estava num apartamento minúsculo em Nova York. Conseguia fazer isso porque sempre fui bom ator."
Em 91, Pressley foi deslocado da área de crédito para a de investimentos. Começou a lidar com mercado de capitais e a fazer viagens constantes a Manhattan.
Pela primeira vez em 20 anos, tomou coragem e voltou ao conjunto residencial onde havia morado até os 17, em Queensbridge (bairro pobre de Nova York).
"Minha mãe tinha acabado de morrer. Eu não via meus pais havia mais de 15 anos. O bairro estava completamente diferente. Muito mais miserável. Foi um choque tão grande quanto o que levei quando entrei em Skidmore."
Pressley confessa que ficou perturbado com a volta às raízes e quase pôs tudo a perder.
"Deu uma dor na consciência por nunca ter voltado, por ter abandonado meus pais. Pedi demissão do emprego e fui morar com meu pai. Ele estava com 86 anos e muito doente."
Pressley ficou seis meses sem trabalhar, fazendo um balanço da vida. Quando seu pai morreu, a situação piorou. "Achei que poderia recuperar o tempo que perdi longe dele. Abandonei tudo."
Graças a um pré-coma causado por um diabetes que tinha desde criança e que o deixou dois meses no hospital, Pressley voltou à realidade. "Foi quando pude perceber como tinha sido abençoado. Só que estava jogando tudo fora."
Hoje, quem olha para o diretor-executivo de crédito da AT&T -salário anual de US$ 80 mil- não imagina que até os 17 anos ele vivia pelas ruas de Nova York, sem saber o que fazer da vida.
Pressley só anda de terno e gosta de frequentar bons restaurantes. Como passa a maior parte do tempo viajando (a sede da AT&T fica em Nova Jersey, Estado vizinho a Nova York), mora num hotel no centro de Manhattan, perto de Times Square.
"Meus amigos dizem que a vizinhança aqui não é boa, mas eu prefiro assim. A Quinta Avenida é limpa demais."
E ele não pensa em comprar uma casa: "Não sou casado, por que vou sair do hotel? Não não sonho com uma casa bem-equipada. Talvez não me faça falta porque eu nunca tive uma dessas."

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