São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
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SC pode mudar o Brasil

LUÍS NASSIF

Desde ontem, Santa Catarina tornou-se o primeiro Estado a romper com o imobilismo na busca do equilíbrio das contas públicas. Minas e Rio Grande do Sul anunciaram seus planos de privatização. São Paulo esboçou programas de concessão de serviços públicos.
Mas o governador catarinense, Paulo Afonso Vieira, foi fundo no seu ajuste, por meio de medidas que poderão se constituir em um marco na vida pública nacional.
Há dois preceitos constitucionais claros. O primeiro reconhece direitos dos funcionários públicos. O segundo limita as despesas com pessoal em 65% da receita líquida do Estado. A leitura correta de ambos é que todos os direitos são assegurados, desde que se respeite o limite de comprometimento da receita. Mas nenhum governador, até agora, teve coragem de colocar o guizo no pescoço do gato.
A primeira medida de impacto de Santa Catarina é fazer valer o limite constitucional de 65%. Passado o limite, o Estado fará cortes proporcionalmente em todos os salários. O servidor ficará com um crédito que será saldado apenas quando o limite novamente permitir.
O estoque de medidas salariais não se esgotou aí:
. Acaba-se com o pagamento dos supersalários, limitados a R$ 6.000.
. O governo fica autorizado a instituir férias coletivas.
. Os triênios do Executivo, que permitem 3% de aumento nos salários a cada três anos, são alterados para 6% a cada seis anos, reduzindo o crescimento vegetativo da folha.
. As licenças-prêmio, atualmente de três meses a cada cinco anos de serviço, mudam para três meses a cada oito anos.
Não ficou nisso. No plano das reformas do Estado, foi criado um fundo de pensão lastreado em recursos da privatização, para o qual serão transferidos os inativos do Estado -que atualmente consomem 32% da folha de pagamento. E fechou-se uma série de portas que permitiam a obtenção de vantagens funcionais onerosas.
Num cálculo inicial, as medidas permitirão ao Estado dispor de R$ 20 milhões mensais para investimento e custeio.
Trata-se do mais audacioso movimento até agora registrado pelo incipiente federalismo brasileiro no sentido de colocar o Estado a serviço efetivo do contribuinte.
Fora de lugar
É curiosa a noção de ética na vida pública. Ex-ministro permitiu-se despejar ensinamentos profundos e judiciosos aos colunistas deste jornal que trataram o caso Igreja Universal sob a ótica do marketing.
Lembrou os clássicos, para quem o lucro precisa de justificativa moral. E propôs que se coloquem a salvo do capitalismo outras esferas da vida, como "a família e a religião". Ou seja, esbórnia só do alpendre para fora -como diriam os velhos senhores da casa grande.
Há tempos a coluna vem deblaterando a respeito dos dois níveis de ética que se praticam no país. Numa ponta, a ética dos brancos, das pessoas que compõem o universo institucional e de influência política. Na outra, o da bugrada, daqueles que ainda não conseguiram seu lugar ao sol.
Coloquem-se os ensinamentos judiciosos do ex-ministro na análise dos seguintes fatos:
Fato 1 - Em plena moratória, o governo decide permitir a bancos estrangeiros a conversão de dívida pelo valor de face. Trata-se de medida que obriga à emissão de moeda, esfrangalha a política monetária e é profunda geradora de inflação. Um ministro saiu do governo e soube que determinado banco perdera o prazo para obter a conversão. Qual a posição moral a adotar: denunciar a conversão à opinião pública como prejudicial ao país ou procurar o banco em questão e propor reabrir as negociações, com base em seu prestígio de ex-ministro? O personagem em questão tornou-se sócio do banco.
Fato 2 - Na condição de ministro responsável pelas estatais, determinado personagem descobre que muitas delas estão procedendo a operações de conversão de dívida externa prejudiciais ao Tesouro. Qual a posição eticamente mais defensável: proibir as operações ou valer-se das informações e conhecimentos proporcionados pelo cargo para transformar-se em intermediário preferencial das operações? O personagem ganhou rios de dinheiro com a intermediação.
Não seria tão reprovável quanto explorar a fé popular valer-se do prestígio conferido por cargos públicos para operar contra o Estado? No entanto, todas as pessoas que procederam assim são consideradas vitoriosas nos círculos frequentados pelo nosso bravo polemista-moralista.
Do alpendre para fora, tudo é permitido. E viva a hipocrisia nacional.
O artigo do colunista, aliás, foi uma alerta em relação ao monopólio na TV e não defesa do comércio da fé.

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