São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996 |
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Deus Baal devora o mito de Bertolt Brecht
DANIELA ROCHA
Marcelo e outros 12 atores atuam neste texto autobiográfico de Brecht, que o diretor-ator caracteriza como pós-diluviano. Sua intenção nesta montagem é aproximar o texto do público. "No fundo, Brecht era como Shakespeare: popular", diz. "Baal - O Mito da Carne" trata do encontro de Baal e Ekart, dois homens ávidos pela comunicação, pelo prazer e pela vida no mundo do pós-guerra. Baal é o provocador de desastres e deleites que mexem com as pessoas, causam encantamento ou morte. Ele explora os limites e prova que não é cruel, que bem e mal são consequências e que não há culpa. "Descobri um Brecht safado, um homem que gostava de ver mulheres dançando can-can, gostava de beber e comer bem, de fumar charuto", diz Marcelo. Também ali está o Brecht jovem, que serviu à guerra como médico do front e sobreviveu às atrocidades dos combates. Os personagens Baal e Ekart têm uma relação íntima como os poetas franceses Rimbaud e Verlaine. "É tudo camuflado, a relação homossexual, a religiosidade." De explícito existe a seriedade "de bicho" de Baal. A busca de elementos primitivos do homem. "Baal quer entrar na terra, dormir como uma planta, viver como uma árvore." Mas não encontra a serenidade por impotência humana, segundo o diretor. "Este texto de Bertolt Brecht é como Nelson Rodrigues: tem camadas, tem momentos indecifráveis", diz. Para tentar decifrá-los, Marcelo buscou as várias traduções em espanhol e inglês até chegar ao original alemão. "Fui até um professor de alemão para entender o que Brecht queria dizer." Teve a palavra de José Celso Martinez Corrêa -em texto que está no programa da peça-, e Fauzi Arap assistiu a alguns de seus ensaios. Foram dois anos de pesquisa de imersão sobre o texto e a vida de Brecht. Os ensaios duraram dez meses de alta rotatividade no elenco e 15 readaptações. "Não queria colocar em cena nem a Alemanha de 1919 nem um rap abrasileirando Brecht", afirma Marcelo. Ele optou por mostrar o pós-guerra do Real, explicitada em uma cena em que Mech, o mecenas, devora um peixe de 1,80 metro com a cabeça de Fernando Henrique Cardoso. "Mech é brilhante, é a materialização da moeda. Ele devora o peixe com a cabeça de FHC por ser ele, Mech, o verdadeiro rei do Brasil. Chama Fernando Henrique de cadáver, devorado pelo materialismo e pelos carniceiros do poder." Marcelo descreve a peça como 1h45 com revezamento de catarses que liberam o público de qualquer culpa. "A sensação para quem atua é de estar constantemente acordando de um porre ali, em cena", afirma. Nesta montagem, Marcelo faz questão de explicitar o sadismo, mas sem ameaças à platéia. "Não gosto deste tipo de provocação com o público. Não gosto de ser provocado desta forma quando estou na platéia", diz. Seu Baal é um personagem que canta e faz outros cantarem. Em Brecht, Marcelo enxerta a poesia de Gregório de Mattos -"que também era Baal"- e de Bernardo Guimarães. Na forma, ele explica que não faz realismo ou naturalismo. "Não quero discutir estética nesta montagem. Procuro o homem. A estética deste espetáculo é o homem." Marcelo quer o deleite de cada um na platéia. Peça: Baal - O Mito da Carne Autor: Bertolt Brecht Direção: Marcelo Marcus Fonseca Elenco: Vera Villela, Roberto Rocha, Carolina Gonzales, Raquel Marinho, Marcelo Marcus Fonseca e outros Estréia: 12 de janeiro (sexta-feira), às 17h. Temporada de qui a sáb, às 21h; dom, às 19h Onde: Espaço Equilíbrio (r. Eugênio de Medeiros, 287, Pinheiros, tel. 011/815-2264) Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (quintas-feiras) Texto Anterior: Políticos vêem a cultura como velha doente Índice |
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