São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 1996
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Um investimento que faz bem ao bolso e à alma

TELMO GIOLITO PORTO

O chamado mercado de arte tem características semelhantes ao de outros bens de alto valor, liquidez relativa e crescente valorização da qualidade excepcional.
O limitado número de consumidores com renda potencial e as altas margens de intermediação -necessárias para atendimento de venda diferenciado- significam que a liquidez a curto prazo das obras exige sacrifício do preço.
Quem compra uma obra de arte deve saber que o prazer estético terá um custo, no caso de revenda a curto prazo. Por outro lado, uma tendência mundial que já existe no Brasil é a da maior liquidez das obras excepcionais. Fortalecida nos últimos anos, tal tendência decorre de um mercado mais seletivo, do qual parte dos compradores especulativos se retirou frustrada.
Sempre haverá comprador para a grande obra do grande artista. Uma obra excepcional não muda de mãos em menos de uma geração -algo em torno de 15 anos-, enquanto os lucros das novas fronteiras econômicas e a concentração de renda criam uma restrita -mas poderosa- demanda.
Existe no público em geral a mística da valorização súbita. Na realidade, os aumentos rápidos de cotação são exceção; apostar neles envolve risco. Os nomes consagrados têm valorização menor -talvez não muito diferente de outros ativos-, porém mais segura.
Se estivermos falando de uma coleção de artistas promissores -o que se assemelha a uma "cesta de produtos" ou "carteira de ações"- é provável que, após vários anos, a valorização do conjunto seja semelhante à de um mestre. É óbvio: a diversificação reduz o risco. Se fizermos pesquisa histórica, o caso geral é que os nomes reconhecidos pela posteridade já não eram baratos em sua época.
O ideal romântico-moderno do artista maldito em vida não sobrevive a uma análise histórica, salvo ocasionalmente. Mas existe, logo após a morte do artista, um período crítico para seus preços -algo novamente próximo de uma geração-, quando falta da presença física, rompimento de alianças com a crítica e mudanças do gosto podem afetar as cotações.
Assim, um pintor admirado em vida pode ser esquecido. No entanto, esse ostracismo ainda poderá ser revisto no futuro, a partir da necessidade de o mercado oferecer "novidades", pelos "revivals" do gosto ou pelo trabalho de estudiosos e museus. A nosso ver, são exceções os dois casos extremos: o desconhecido em vida que se torna uma unanimidade mercadológica ou o festejado artista esquecido pela posteridade.
Mas a questão principal a considerar é o fechamento do mercado brasileiro, num contexto de globalização da economia e do pensamento. Existem compradores e colecionadores de trabalhos estrangeiros, mas seu número é pequeno se comparado ao tamanho da riqueza nacional.
Há várias explicações: desinformação do público, falta de estrutura e prática para importação, vícios fiscais de vendedores e compradores, confiança quanto à autenticidade não estabelecida entre agentes e compradores e empatia de sensibilidade entre obra e admirador, ambos com o mesmo contexto histórico e cultural.
Não parece ser questão de preço: os valores envolvidos hoje na compra de uma boa obra brasileira permitiriam adquirir assinaturas estabelecidas internacionalmente.
No dia 26 de outubro, em Londres, e nos dias 14 e 15 de novembro, em Nova Iorque, a conhecida casa Christie's ofereceu nomes como Poliakoff, Atlan, Souinges, Hartung, o Grupo Cobra, Polko, Kiefer, Gottlieb, Frankenthaler, por preços com que se compra um mestre brasileiro. Essa mesma afirmação é válida se a preferência for por mestres antigos.
Em todos os países do mundo preza-se a arte local. O melhor lugar para vender um quadro -via de regra- é a pátria onde ele foi criado. A arte antiga italiana, espanhola e flamenga, o impressionismo e o pós-impressionismo franceses são talvez os únicos casos em que a cotação é realmente independente da geografia. Além, é claro, de nomes ímpares.
Na realidade, é como se a apreciação e o consumo agissem em dois sentidos: um que olha o mundo, outro que olha o umbigo. Num planeta cada vez mais padronizado, língua e arte parecem ser os limites da nacionalidade.
Já falamos das dificuldades para a distribuição estrangeira no Brasil. Em sentido oposto estão as crescentes facilidades colocadas à disposição dos clientes pelas casas de venda internacionais e as possibilidades da informática. Hoje, já se pode examinar em casa -com micro e modem- um quadro em Londres, Nova Iorque ou Paris cuja imagem foi digitalizada.
Esteja o apreciador mais voltado à expressão local ou à mescla de diferentes sensibilidades, sinta-se mais ou menos representado pelos artistas internacionais, deverá ter opção nos próximos anos. Uma sugestão fazemos a todos. Do ponto de vista de aplicação, o mercado de arte se assemelha a outros especializados. Assim como é arriscado comprar ações sem um bom período de observação, é importante visitar galerias e vendas públicas.
Além de uma eventual boa compra, ganha-se, antes de tudo, a contemplação estética e a representação de nossa natureza humana, que -por meio da arte- nos libertam por alguns momentos do sofrimento e da ansiedade. (Schopenhauer que nos perdoe por finalizar uma análise econômica).

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