São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 1996
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Villela se desdobra entre erudito e popular

DANIELA ROCHA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

O ano de 95 nem acabou mas 96 já está inteiro planejado para o diretor de teatro Gabriel Villela, 36. "Estou me sentindo uma vaca parideira neste instante. Tenho que aproveitar isso", diz. Três espetáculos dirigidos por ele já têm previsão de estréia em São Paulo e outros planos já contam com patrocínios fechados.
Em 20 de janeiro, "Mary Stuart", de Schiller, entra em cartaz no teatro Mars, trazendo no elenco Xuxa Lopes e Renata Sorrah. Já programadas para março estão as estréias de "O Mambembe", de Arthur Azevedo, no Teatro Popular do Sesi e "A Torre de Babel", com Marieta Severo, que faz temporada no Rio.
Além disso, o Grupo Galpão reapresentará em São Paulo "A Rua da Amargura". No meio do ano, Villela vai a Salvador (BA), montar um clássico com uma companhia que deve formar no Teatro Castro Alves. Terminada a montagem, ele segue ao Rio, para fazer "A Ventania", de Alcides Nogueira.
"Este ano está desenhado até outubro. Isso me dá muita tranquilidade e me prepara para o ano de 97", diz. Leia abaixo trechos da entrevista com Gabriel Villela.
*
Folha - Você planejou um 96 tão agitado?
Villela - Não. Estou me sentindo como uma vaca parideira neste momento. "Torre de Babel", "Mary Stuart" e "O Mambembe" são três atalhos na minha carreira que mostram uma evolução no meu trabalho em direções diferentes. Quero aproveitar este momento.
Folha - Qual o seu ritmo de trabalho?
Villela - O ritmo de ensaios está puxado. Há um mês e meio ensaio "Mary Stuart" de manhã e à noite e "O Mambembe" durante o tarde. É uma sensação parecida com a de uma mãe que vai dar luz a gêmeos. Não tem um "filho" predileto. São duas personalidades opostas. São procedimentos diferentes de trabalho. A dificuldade está em sair de um tão envolvido com uma atmosfera de cena e viar o canal para o outro. Não durmo à noite, porque é a hora que eu mais gosto de produzir. Então faço cortes de texto, organizo meu trabalho.
Folha - "O Mambembe" é um musical. Você já pensava em montá-lo?
Villela - Em 86, fui convidado para fazer uma montagem do texto na EAD, mas é uma peça que exigia muita produção e a apresentação acabou não acontecendo.
Aquilo ficou latente em mim. É um espetáculo que precisa de estrutura porque é monumental. É farto de personagens, de uma tipologia que atravessa os tempos e que está presente no nosso dia-a-dia. Arthur Azevedo radiografa a problemática do artista que transcende a época.
Folha - Os cenários e figurinos do espetáculo são seus?
Villela - Sim. Os cenários estão sendo feitos por um artista que pinta carroceria de caminhão. Fomos para os postos de gasolina das rodovias atrás desse artista. Mostra o Brasil kitsch e ao mesmo tempo sincero no traço, na arte.
Para os figurinos, projetei cada personagem, e então fui a Londres, onde comprei todos os tecidos em uma loja que trabalha com reprodução de figurinos de todas as épocas.
Para mim seria repetitivo reutilizar a linguagem estética de "A Rua da Amargura" ou de "Romeu e Julieta", montado por um grupo essencialmente mambembe. Queria alguma coisa mais brincalhona, mais musical, puxando para a estética popular interiorana de caminhoneiro.
Já para escolher figurinos de "O Mambembe", fui a Londres. E para fazer os de "Mary Stuart" fui até o interior de Minas para escolher fios de linho, seda e lã de carneiro que foram batidos em teares de 2.000 anos.
Folha - Você tem uma ligação com o teatro mambembe muito forte. Por quê?
Villela - A única forma de expressão teatral que vi até os 18 anos foi o circo-teatro, que nada mais é do que uma companhia nômade.
Os circos se instalavam em um terreno ao lado do sítio onde eu morava, em Carmo do Rio Claro. Observava muito o camarim deles, o dia-a-dia, a sobrevivência. Pegava arroz e feijão dos armazéns do meu avô e levava para os artistas. Isso me fascinou muito.
Quando deixei a minha cidade, percebi que seria um itinerante a vida inteira, que não estabeleceria um tempo de parada. Sento praça aqui, faço o que tenho que fazer e vou para outro lugar.
Foi assim que terminei "Vem buscar-me que ainda sou teu" e fui até Minas trabalhar com o Galpão. Não quero ficar parado e ser um mero observador daquilo que faço.

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