São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Doença provocou mudanças na música

"É preciso mudar com o tempo, ser contemporâneo".

EVA JOORY
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de gravar "Amplified Heart", Watts ficou doente, o que o manteve afastado da dupla durante meses. Gravando seu novo disco, ainda sem título, Watts falou pela primeira vez da sua doença, em entrevista exclusiva à Folha por telefone de Londres: "Contraí uma doença grave e muito rara, não gosto nem de lembrar. Fui parar no hospital, quase morri. Quando voltei, procurei seguir novas direções. Nossa música continua melancólica, só que agora quero modernizar nosso som". Leia a seguir a entrevista.
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Folha - Por que decidiram se aproximar da dance music com o remixes de "Missing"?
Ben Watts - Decidimos que não queríamos fazer uma versão final do nosso trabalho. Achamos que outras pessoas deveriam interpretá-lo também. Quando escrevemos a música, sabíamos que ela tinha potencial para se transformar numa música house por causa do ritmo. Me interessei pelo que as pessoas fariam com ela.
Folha - Por que Todd Terry?
Watts - Cheguei a Todd Terry porque gosto de seu trabalho, de sua música. Não fizemos uma coisa comum ao nosso trabalho, por isso escolhi Todd. Ouço seus discos desde o final dos anos 80 e sempre achei ele o melhor DJ de house music. Ele tem uma sonoridade meio triste, porém dançante.
Folha - Por falar em tristeza a letra de "Missing" é bastante triste, fala de despedida...
Watts - Sim. É uma canção melancólica. Acho que é por isso que esta música foi um sucesso. Existe uma tensão entre letra e ritmo. E tem a voz de Tracey, triste e solitária.
Folha - Como surgiu o seu interesse em dance? Ninguém pensou na dupla como um grupo de dance.
Watts - Sempre fui fã e acompanho as tendências. Nossa música foi sempre baseada em ritmo. Geralmente usamos uma espécie de som rítmico e quieto, mas sempre estivemos interessados em melodias dançantes.
Folha - E por que só agora a experiência com "Missing"?
Watts - Por que não? Achamos que fosse uma boa idéia. Decidimos ampliar nosso som.
Folha - Como você vê a cena pop inglesa hoje, desde que vocês começaram, há mais de dez anos, sem falar da rivalidade entre as bandas Blur e Oasis?
Watts - Eu não encontro inspiração no pop inglês. Adoro Oasis mas não creio que eles tenham nada a oferecer para o nosso som. Mas existem áreas dentro da dance que são muito legais hoje. Descobri estilos fascinantes como jungle e drum base (ritmo com base na percussão ou bateria). Gosto também de como a house music ficou popular de novo. Eu nunca gostei de techno. Esse estilo dominou os clubes na Inglaterra por três anos. Acho que tem uma sonoridade destrutiva e niilista.
Folha - Qual foi a inspiração para "Amplified Heart"?
Watts - Eu estava muito doente há cerca de três anos, quase morri. Foi muito sério, fiquei no hospital durante meses. Foi uma experiência de mudança de vida. Quando fiquei curado, Tracey e eu decidimos gravar um disco novo. Queríamos fazer um disco que fosse bastante honesto e intimista, colocar nossas melhores idéias do passado e ao mesmo tempo tentar avançar. Quis que o disco tivesse arranjos de cordas maravilhosos e muitas possibilidades de remixes. Misturei o passado com o futuro.
Folha - Você pode falar mais um pouco da sua doença?
Watts - Foi algo muito raro. Basicamente meu corpo decidiu se atacar, através do meu sistema imunológico. Isso tudo destruiu a maior parte do meu intestino.
Folha - Vocês começaram com influências de bossa nova e jazz. Agora estão mais próximos do pop. Saber mudar é o segredo de tantos anos juntos?
Watts - Existem duas coisas. A primeira é que fomos abençoados com a voz de Tracey. Sua voz é atemporal, é clássica, nunca sai de moda. Em segundo lugar, sim, é preciso mudar com o tempo. Mudar som, ritmo e arranjo é fundamental. Cada disco que fazemos tem que refletir o presente ou então ser uma reação óbvia contra o presente. É preciso ser contemporâneo. É assim que se avança.
Folha - É difícil para vocês trabalharem juntos, já que também são casados? Já pensaram em seguir carreiras solos?
Watts - Às vezes é bem difícil. Por sorte concordamos de como a banda deve ser, temos idéias similares sobre música. Na maioria das vezes, trabalhamos separadamente, o que nos ajuda a manter nossa individualidade dentro do grupo.
Folha - Acha que a simplicidade é sua marca registrada?
Watts - Sem dúvida. É o meu jeito de ouvir música.
Folha - Vocês participam do disco "Red Hot and Rio", de David Byrne. Qual a música que escolheram?
Watts - Gravamos "Corcovado", de Tom Jobim, numa versão jungle (variação de techno com ritmo acelerado). Virou uma bossa nova jungle. Fiz o que pretendo fazer daqui por diante que é misturar o velho com o novo. Não quis fazer uma versão careta da música. Peguei a sonoridade clássica da bossa nova e coloquei um ritmo novo. Sempre amei bossa nova, mas quis fazer algo mais pop. É o que estou fazendo no meu disco novo. Quero modernizar meu som.
Folha - Já que é tão fã da bossa nova, por que nunca pensou em tocar no Brasil?
Watts - Ninguém nos convidou.
Folha - O quê achou da premiação da Noite Ilustrada?
Watts - Achei fantástico. O disco foi um sucesso no mundo todo, o que foi uma grande surpresa. Para fazer sucesso é preciso ter um som universal, cruzar fronteiras, e "Missing" é assim. É uma música que pode ser entendida por todos.
(EJ)

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