São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Erros na política do setor externo do Brasil

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Antes de tudo vamos esclarecer que este é um artigo de economia, sobre o setor externo, e não sobre a política de relações exteriores brasileira, alvo de críticas corretas de Ricardo Seitenfus.
A política para com o setor externo da economia brasileira está concentrada nas mãos de Gustavo Franco, diretor da área externa do Banco Central.
Gustavo encerrou o ano de 1995 cumprimentando-se em um artigo publicado em "O Globo", no qual ele credita ao Plano Real ter aberto a economia (esquecendo o trabalho anterior que começou em 1987 e ganhou ímpeto a partir de 1990), julga que a atual política cambial está "consolidada" e dá a entender que é ótimo ao país ter, como temos hoje, mais de US$ 50 bilhões de reservas internacionais.
Só lamenta que os juros estejam altos, mas isso se deve ao déficit operacional de 4%, gerado pelo governo em 1995, e que precisará ser combatido com vigor no próximo ano (ponto sobre o qual concordamos). Não deixa de ser uma opinião "ousada" dizer que a política cambial esteja consolidada. A relativa estabilidade do mercado cambial deve-se ao "pantagruélico" diferencial entre os juros internos e externos.
Mas mais grave é se sentir orgulhoso de que um país repleto de miseráveis acumule mais de US$ 50 bilhões de reservas internacionais -o que, na prática, significa que estamos financiando uma pequena parte do déficit dos EUA e, dessa forma, o bem-estar da população americana- enquanto aqui os hospitais estão à míngua e o número de pessoas que passam fome é de um quarto da população. Não só o diretor da área externa do BC, mas toda sua diretoria vêm praticando uma política errada de acúmulo de reservas, com pesados custos ao país. Vejamos.
As reservas brasileiras estão aplicadas em bancos no exterior onde recebem juros de 3% a 4% ao ano. Mas, para poder comprar os dólares sem expandir a base monetária, o governo tem de emitir títulos da dívida pública, pagando a "módica" taxa de 25% a 30% de juros reais ao ano! Até parece que a diretoria do BC resolveu aprender contabilidade, mas aprendeu tudo ao contrário: o que é ativo vira passivo, e o que é custo vira "lucro".
Outra inverdade que alguns economistas oficiais repetem e os jornais "engolem" sem maior questionamento é que o déficit público só terá conserto após o Congresso aprovar as reformas constitucionais. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Dá para reduzir o déficit se o governo cortar parte de seus gastos. Por outro lado várias das reformas constitucionais são necessárias e merecem nosso apoio; entre essas menciono a importante reforma administrativa e uma reforma moderada da Previdência. Mas quais os outros erros na área externa?
O principal deles foi ter deixado o real se valorizar tanto desde julho de 1994. Que o real está sobrevalorizado é evidenciado pela performance medíocre das exportações de manufaturados e de produtos básicos; o valor exportado só cresceu devido a exportações atípicas de produtos semimanufaturados. Veremos em 1996 o comportamento decepcionante das exportações brasileiras, confirmando a defasagem.
Tudo isso não permite caracterizar a política cambial como "consolidada". A taxa de câmbio deve ser corrigida, e isso pode ser feito sem traumas. Basta o governo iniciar, para valer, um processo de redução da taxa de juros (que não demore mais que dois ou três meses) de modo a aproximá-la às taxas internacionais mais um adicional de risco do país. E, supondo uma diminuição do déficit fiscal, haverá uma subida lenta da taxa de câmbio, que não gerará fuga de capitais ou outros pesadelos. Afinal, a taxa de juros brasileira continuará mais alta que a do resto do mundo.
O Congresso precisa se insurgir contra pagar um diferencial de juros de 20% a 25% para manter reservas, a maior parte das quais é inútil. Em particular, a Comissão de Economia e Finanças da Câmara deve, aos cidadãos e a si, exigir uma explicação da lógica tortuosa dessa política governamental que não traz benefícios à população.
Como brasileiro, cidadão e, principalmente, como economista, gostaria de estar vendo o Brasil crescer 5%, 6% ou 7% ao ano, criando empregos novos. Isso é possível sem a volta da inflação.
Não há nada, técnica ou economicamente, que impeça isso, a não ser algumas políticas econômicas erradas, em especial as do setor externo que, indiretamente, terminam por exigir que nossa taxa de juros seja essa coisa estapafúrdia de 25% reais ao ano.
É preciso que alguém diga ao sr. presidente que, se mantidas as políticas de 1995 (juros altos, atraso cambial, aumento dos gastos do governo -déficit operacional de 4% do PIB), estaremos dando um tiro em nosso próprio pé: o país crescerá pouco ou nada, o desemprego aumentará, mas nossas reservas internacionais continuarão a crescer, financiando o bem-estar americano. Para que (e por que) isso?
Há alternativas superiores à política atual: tal como a estratégia descrita cinco parágrafos atrás. Senhor presidente Fernando Henrique Cardoso: com as políticas em vigor, pelo final de 1996 teremos motivos sérios de preocupação com o aumento da inflação, desemprego elevado e o ressurgimento de vários outros problemas.
Senhor presidente, escute menos os áulicos, que estão lhe vendendo a mentira de que iremos crescer 5% em 1996. Esse número é uma balela! E passe a escutar os demais 95% dos economistas do país (vários dos quais são seus ministros em outras pastas), que o estão alertando sobre possíveis problemas futuros, pensando no bem-estar do país e não no da população americana.

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