São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Mau exemplo

ANDRÉ LARA RESENDE

Um grande banco não é um animal fácil de ser compreendido e avaliado. A internacionalização e o desenvolvimento dos mercados de futuros, de opções e de toda sorte dos chamados instrumentos "derivativos" tornaram a atividade financeira ainda mais sofisticada e complexa.
Mas não é preciso ir tão longe. Mesmo o funcionamento da atividade bancária básica não é necessariamente simples ou intuitiva.
Grandes bancos mal-administrados são capazes de esconder seus problemas por muito tempo. Quando vêm à luz, já é tarde. Podem pôr em risco todo o sistema financeiro, com custos que não se restringem aos depositantes, mas recaem sobre toda a economia.
Essa introdução é para chegar ao Banespa. Na semana passada, mais de um ano depois da intervenção, o Banco Central e o Estado de São Paulo chegaram finalmente a um acordo.
A dívida do Estado com o seu banco era absurda e não estava sendo paga. Os créditos concedidos pelo Banespa ao setor privado não eram de melhor qualidade.
Em síntese: o controlador, em flagrante desacordo com a lei que proíbe que os bancos emprestem a empresas coligadas, usou o banco para financiar toda sorte -literalmente- de atividade.
Resultado, como não poderia deixar de ser: o banco quebrou, deixando um rombo patrimonial de aproximadamente US$ 15 bilhões. Não vou exemplificar para não ser acusado de ser apelativo, mas é muito, muito e muito dinheiro.
Como no Brasil se convencionou que o depositante de banco público não pode ter prejuízo -só o de banco privado-, alguém tinha de arcar com essa conta. Adivinhe quem? A viúva, o Tesouro, é claro.
Para quem conseguiu entender as bases do acordo -não vou testar a paciência do leitor tentando explicar- fica claro que a solução é até engenhosa, mas a viúva entrou com a parte do leão, e o Estado de São Paulo entregou alguns ativos de valor duvidoso e liquidez inexistente.
O Estado poderia ter entregue ativos de melhor qualidade -como suas empresas de eletricidade-, que poderiam ser vendidos para ressarcir o Tesouro. Pode até ser que o Tesouro tivesse de qualquer forma de arcar com grande parte dos custos.
Nesse caso pelo menos que se privatizasse o banco. Só assim se evitaria o mau exemplo, o estímulo à irresponsabilidade e o risco de que tudo possa recomeçar. Não há garantia contra os maus governos e o corporativismo das empresas públicas.
O resultado final de todo o episódio é lastimável para quem acreditou que a intervenção seria o primeiro passo para fechar uma das mais escandalosas fontes de geração de despesas não-orçadas.
A complexidade dos grandes bancos modernos é incompatível com uma administração não-profissional. Na mão do Estado, essa complexidade é ideal para esconder toda sorte de despesas.
Como as despesas sérias e necessárias deveriam estar orçadas e aprovadas, são as desonestas e as desnecessárias que são preservadas sob o manto impenetrável da contabilidade dos bancos públicos.

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