São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996
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FHC faz balanço positivo de 95

Esta é íntegra da exposição preliminar feita pelo presidente Fernando Henrique Cardoso:

"Eu quero agora reafirmar o que todos nós sabemos e sentimos: que o ano de 1995 foi um ano positivo para o Brasil, eu acho que isso hoje é indiscutível. Eu não quero fazer um balanço até porque os senhores mesmos já o fizeram através dos seus meios de comunicação, a televisão, o rádio, a imprensa escrita. Os discursos e a avaliação cabem muito mais aos que observam do que àqueles que estão atuando, mas é indiscutível que nós tivemos primeiro a queda significativa de índices inflacionários. Qualquer que seja o indicador que utilizemos para medi-los, na média houve uma redução da inflação para 20%. Isso, para um país que estava acostumado a 20% em 15 dias, ter 25% em um ano é um resultado satisfatório, significativo, hoje, aliás, reconhecido por toda a gente.
Nós partimos de um momento em que a inflação estava bastante elevada -os senhores têm os dados aí à sua disposição e poderão ver com tranquilidade que isso aconteceu. A verdade é que esses índices são os mais baixos desde o início dos anos 70 e que a inflação vai continuar em queda. Vai continuar em queda em 96, em 97 e nós buscaremos uma política que leve a um controle do processo inflacionário até que nós realmente tenhamos a possibilidade de proclamar que essa questão já não preocupa os brasileiros, já entraremos num outro regime de estabilização.
E o mais importante ou tão importante quanto isso é que o poder aquisitivo da população aumentou. Eu me recordo, quando ainda era ministro da Fazenda, quanta discussão a respeito disso. Quanta discussão a respeito de que nós iríamos fazer um programa de estabilização, mas o resultado seria falta de crescimento da economia e que a população mais pobre uma vez mais pagaria o preço do ajuste. Esse era o discurso, essa era a retórica, e hoje soa tão velho, tão antiquado que dá até pouca vontade de repetir, porque todo mundo sabe que não foi o que aconteceu. Aconteceu que a economia cresceu e que houve realmente uma valorização do poder de compra, sobretudo dos assalariados, sobretudo dos mais pobres. Também não preciso dar os dados porque vocês dispõem dos dados. De forma imediata, a cesta básica de julho de 94 até hoje cresceu R$ 3 e os dados a respeito do que aconteceu com o aumento do consumo estão aí disponíveis: ovos, 16%; frango, hoje o frango é o herói nacional, parece, mas ele não está sozinho nisso não, tem quem dispute, porque os frangos cresceram 16% do consumo, mas as conservas 40%, congelados 90%, iogurte 89%.
E não se diga que foi só na área de alimentação, não. Houve também crescimento de produtos: geladeiras, quase 27%, TV a cores, 23%, fogões, 28%, automóveis, 12%, ou seja, não há nem o que discutir a respeito de quem pagou o preço desse processo de estabilização.
O preço realmente foi pago por aqueles que especulavam com a inflação. Houve uma redução substancial da participação do sistema financeiro no produto bruto nacional, o governo teve de apertar o cinto porque as sobras inflacionárias desapareceram e os que estavam acostumados a ganhar com facilidade, através precisamente de um imposto injusto que recaía sobre o povo, esses tiveram efetivamente de tomar medidas diferentes, porque não tiveram mais como avançar, senão modernizando-se e competindo mais. São dados que estão ditos, reconhecidos por todos.
E mais: a economia cresceu. Essa foi outra ladainha que eu ouvi com paciência, como sempre digo, porque a gente tem de ter paciência o tempo todo. Catástrofe, vem aí a catástrofe, o mês que vem cai tudo. Não, durou no primeiro trimestre, no segundo não vai dar. O primeiro cresceu demais, o segundo vai ser ruim.
Bom, nós, desde 93 a economia está crescendo. Vocês têm os dados disponíveis aí, que mostram que a economia continua crescendo, cresceu em 93, cresceu em 94, cresceu em 95, vai crescer em 96, vai crescer em 97. Vai crescer daí por diante se nós formos capazes de tomar as medidas do tipo das que estamos tomando, ou seja, ajustando o processo de crescimento, tendo a coragem, repito, a coragem de em certos momentos tomar medidas que freiem. Quando haja um momento de impulso demasiado forte, que a gente perceba que não há condições de a oferta atender a demanda e que, portanto, ou isso provoca mais importações e problema no desequilíbrio cambial. Ou, então, aumento de preços que levam à inflação. Nesse momento nós freamos. E não adianta um grupo ou outro grupo vir reclamar, apresentar o dado parcial daquilo que está acontecendo com o seu setor como se fosse geral, às vezes com a sua indústria como se fosse geral.
Governo que se respeita e que respeita o povo toma medidas necessárias para garantir um crescimento continuado. Nós podemos ver, os gráficos disponíveis aí mostram, que o nosso crescimento no passado foi em ziguezague. Excelentes resultados em 70, em 80 entramos em ziguezague, em 90 entramos em parafuso, na primeira parte dos anos 90 e de 93 em diante é que nós estamos buscando esse crescimento sustentado e, sobretudo, as taxas de crescimento per capita, porque houve uma modificação muito grande nas taxas de crescimento da população brasileira.
Não vou entrar nos detalhes demográficos da questão, mas a verdade é que hoje, quando o país entrou já numa fase -a transição demográfica já se realizou, hoje é uma população que já não é mais uma população só de jovens, ela é adulta, não é velha tampouco, mas isso já tem efeito sobre a taxa de crescimento e isso mostra que um crescimento de 5%, 6%, é um crescimento que dá um resultado em termos per capita bastante consistente.
Muito bem. É verdade que há problemas desse tipo de economia como a nossa, e não é justo o que estamos, que era necessário ser feito e que foi feito, repito, não às custas do povo, pelo contrário, beneficiando o povo, é que há problemas com o desemprego.
Esses problemas são gerais. No mundo hoje, por razões diferentes às vezes de um país para com outro, ainda assim apesar de resultados esparsos, que deveriam ser publicados com mais cuidado, porque pegam um momento, uma semana, um mês, às vezes, um ramo industrial que ficam mostrando sempre que há desemprego e mostrando muitas vezes sem mostrar por outro lado a criação de novos postos de trabalho, apesar dessas publicações às vezes sensacionalistas, que está crescendo muito o desemprego, os dados do IBGE, que é o disponível e o mesmo vale para os dados do Dieese sobre a Grande São Paulo, mostra que o ano de 1995 foi o de menor crescimento da taxa de desemprego disponível nos últimos anos. Os dados estão aí também à disposição dos senhores
E quando se compara a evolução do emprego no Brasil e a taxa de desemprego com a taxa de desemprego noutros países, países já desenvolvidos, vai se ver que a nossa se situa entre as mais baixas que existem hoje. Isso não quer dizer que o governo não esteja preocupado com a questão do desemprego. Eu voltarei ao tema, mas isso quer dizer que é preciso ter cuidado na análise para que não se confundam alhos com bugalhos e que a política do governo não pode ser uma política que não preste atenção às especificidades do processo que está ocorrendo. Cresce o setor de serviços, cresceu também o setor rural, decresceu a oferta de emprego em certos setores industriais, na média a taxa não cresceu, entretanto, quem se desempregou num setor não necessariamente se reemprega no outro. Daí que o governo tenha sim de se preocupar com o desemprego, porque ele existe para certos setores, para certas camadas, e daí também que o governo deva se preocupar não apenas com a geração de novos empregos, mas com o retreinamento daqueles que vão para uma situação de desemprego. Eu voltarei a isso.
De qualquer maneira eu acho que é indiscutível, nesse panorama simples que estou mostrando aqui, que os dados são positivos quanto ao que foi feito em 95, e nós começamos, como todo mundo sabe, as reformas que todo mundo dizia que seriam impossíveis. Basta ler o que foi dito até março de 95, que seriam impossíveis. As reformas avançaram no gás canalizado, na cabotagem, empresa nacional, telecomunicações, petróleo.
Cobra-se muito do governo as leis complementares. Quem cobra muitas vezes não presta atenção no que está acontecendo. Por quê? Em muitas dessas matérias não se requer lei complementar, noutras as leis já estão no Congresso, como a de cabotagem. Empresas de comunicações não requer. Telecomunicações já está no Senado o primeiro passo. Petróleo, nós estamos com ela pronta e vamos mandá-la. O que acontece é que não se trata pura e simplesmente agora de leis complementares que digam respeito a matérias que não tenham que ver diretamente com a estrutura do Estado brasileiro. E aproveito para falar sobre as privatizações. Nós privatizamos o setor siderúrgico, nós privatizamos o setor de petroquímica. Isso foi relativamente fácil porque eram empresas incrustadas no Estado.
Agora, nós estamos numa outra fase, nós temos que lidar com o problema de como criar condições de investimento e de expansão para o atendimento de serviços públicos: distribuição de energia, distribuição de água, distribuição de gás. São serviços públicos. É diferente da privatização de uma empresa. Para bem privatizar o setor de serviços públicos é preciso refazer a estrutura do Estado. É preciso que haja um Departamento Nacional de Águas e Energia, por exemplo, competente e ajustado às necessidades do mundo moderno e do Estado moderno e das demandas da sociedade brasileira, para que nós possamos fazer a concessão de forma adequada. Não é simplesmente vender um pedaço. A Light, a Escelsa, a Light está na linha, a Escelsa já foi vendida, mas isso não esgota a temática que nós estamos enfrentando, e essa temática vem junto com a reforma do aparelho de Estado.
E essa reforma não se faz só com leis, se faz com a reorganização da estrutura burocrática, a qual depende da reforma administrativa, porque, senão, nós estamos atados à Constituição, e não podemos criar os mecanismos mais ágeis, mais competentes, que envolvam o recrutamento de pessoal mais qualificado e, portanto, com salários diferenciados, porque estarão todos sob a mesma limitação dos regimes jurídicos únicos, das regras burocráticas que prepararam o Brasil para o mesmíssimo, para o mesmismo, para não mudar nada, para ser tudo igual, inchar, inchar, inchar até que um dia, quem sabe, de tanto inchar, estourar. Mas não vai acontecer, porque nós vamos fazer as operações necessárias para que ele não continue inchando e nem, portanto, venha a estourar.
Bem, o fato é que nós estamos mudando o perfil do Estado, que deixa de ser a de um Estado-proprietário para ser um Estado-regulador. Não quer dizer que abra mão de todas as propriedades, mas o Estado que grosso modo era proprietário de empresas produtivas e muitos setores de produção, ele passa a ser um Estado regulador e fiscalizador. Isso requer uma nova estrutura do Estado, que está sendo implementada. É um processo até de mudança de mentalidade, de cabeça das pessoas, de convencimento pedagógico e que não pode se dar pelo decreto do presidente por uma lei que é enviada ao Congresso apenas. Isso está em marcha e, sem que haja esse esforço grande, as coisas não vão poder avançar.
Agora, eu também quero deixar bem claro aqui que essas mudanças, e eu vou voltar ao tema da importância das reformas e o porquê das reformas e a urgência que tem delas, enorme. Essas mudanças são feitas não só para que nós tenhamos um bom desempenho na área econômica. É fundamental que haja também uma nova política social.
Eu não vou falar agora aqui, nem cabe nessa introdução, em um momento oportuno lá para fevereiro ou março, eu vou apresentar ao Brasil um programa mais amplo da questão da área social, mas evidentemente nós tivemos opções muito claras de que, ao mesmo tempo que mantínhamos o crescimento e que fizemos um processo de estabilização inovador desde a URV, que não foi para frear o crescimento nem para diminuir a capacidade de distribuição de renda do processo econômico, nós também tomamos uma opção muito clara que havia de cuidar das prioridades para as populações de mais baixa renda. Cansei de ouvir dizer: ah! muito bem, está estabilizando a economia, mas falta o social. Falta é ler o que está sendo feito. Falta é ver os números, e agora eles estão aí.
Nós dobramos o gasto com saúde. É suficiente? Não é suficiente, por isso estamos pedindo mais recursos para a saúde. E por antipático que seja o imposto, não se inventou outro modo de obter recursos para o Estado e, portanto, para a população carente, a não ser com impostos. Então, a verdade é que nós estamos realmente dobrando os gastos com a saúde.
E, na saúde, o que nós estamos fazendo basicamente? Combatendo a fraude. O ministro Jatene tem repetido isso, e é preciso que se inscreva na agenda de todos nós que a fraude tem de ser combatida, mas o fundamental é a questão do agente comunitário da saúde, que está sendo desenvolvido e ampliado. O fundamental é o programa de mortalidade infantil, que está em marcha. É a distribuição do leite que está em marcha, e o Programa de Comunidade Solidária está atuando nesta, como em outras áreas, de uma maneira inovadora, ou seja, não é mais um órgão para fazer paralelamente aos ministérios a ação social.
Uma secretaria executiva que cuida de agilizar os recursos, fiscalizar, verificar se estão acontecendo e de alguma maneira dar impulso a eles e pedir a complementação disso através da sociedade civil, daí o Conselho da Comunidade Solidária, que não atua dentro do Estado, mas chama a atenção de fora do Estado, através da sociedade, para certos programas, como ainda agora que começa brevemente na próxima semana o programa de Universidade Solidária e mil estudantes vão estar em pequenas comunidades das áreas mais pobres do Brasil, organizados, treinados para dar assistência inclusive nessa questão de saúde.
Mas não é só a saúde, na educação também não preciso insistir muito que, por sorte, ultimamente foi possível chamar mais atenção para o que nós estamos fazendo na educação.
Eu comecei o ano como presidente dando uma aula no interior da Bahia numa aula no interior da Bahia numa escola primária. Por quê? Para chamar a atenção para o problema da escola primária. Naturalmente, foram me dar nota, se eu tirei 6, 7, 8, 9 ou 10. Não sou professor primário, gostaria de ser, se o salário fosse melhor, mas não obstante fui lá para chamar a atenção. E não basta isso. Por quê? Porque o salário não é suficiente. Então o que nós estamos fazendo? Um plano de valorização dos professores, e a emenda está no Congresso, e esse plano vai permitir que haja um piso, mas não é bem um piso, uma equivalência na distribuição de recursos para os municípios mais pobres de tal maneira que eles possam gastar pelo menos R$ 300 per capita em todo o Brasil. E que o professor, em média, ganhe também esses R$ 300.
Isso é feito para beneficiar as comunidades mais pobres, porque são as que não têm esses recursos. Então, nós vamos fazer uma transferência de recursos e a União federal, o governo central vai entrar com o recurso para complementar essas áreas mais pobres. Portanto, tanto na educação quanto na saúde, nós estamos cuidando da população mais carente, através de mecanismos diretos, como, por exemplo esse da valorização do professor. Como a questão da TV para treinar professores -40 mil postos já estão instalados.
Da mesma maneira como fizemos com a parte de assentamento rural. Podem reclamar o que quiserem, 42 mil famílias estão assentadas, têm seus títulos dados, estão com assistência. Eu chamei a imprensa, enquanto me deram do Incra a relação do RG e o CPF de cada uma das famílias. Está à disposição de quem quiser. Para ver que são 42 mil mesmo. Eu não tenho responsabilidade se os movimentos que se ocupam dessa matéria não controlam o Brasil todo. Eu não estou fazendo a reforma agrária do MST, eu estou fazendo a reforma agrária para o Brasil, e para o Brasil nós estamos assentando 42 mil famílias, e, neste ano de 96, assentaremos 60 mil famílias.
Mais ainda, vemos um grande esforço nessa área também no que diz respeito à questão do Planaf, que é um programa para as famílias rurais mais pobres, que é uma coisa inovadora. Também a distribuição de recursos, pela primeira vez, com o acordo que fiz com a Contag, de recursos para serem utilizados diretamente nos assentamentos. Ou seja, o governo, em 95, e continuará assim em 96, atendeu a questão social sem demagogia, sem clientelismo e sem assistencialismo barato.
Essa é a mudança, mudou a mentalidade. Por exemplo, na questão das moradias e no saneamento básico, paradas há quatro anos. A Caixa Econômica está sendo recuperada, através de medidas duras e de reorganização da Caixa, como está sendo recuperado o Banco do Brasil, que leva uma certa tensão, porque o Banco do Brasil começa a cobrar dos seus devedores. Pois bem, a Caixa Econômica recomeçou o programa de moradia, recomeçou o programa de saneamento básico. Dinheiro há. Qual é a dificuldade? Tem várias. Uma delas é que nós não queremos mais que o dinheiro seja distribuído pela pressão, clientelística ou não, de intermediários, por mais que sejam qualificados os intermediários.
Parlamentares vão nos ajudar, não a distribuir dinheiro para cada região, mas a definir a política e a criticar a política, e há conselhos organizados nas comunidades para distribuição desses recursos, conselhos nos quais existem não só membros do governo, mas da sociedade também. Leva mais tempo? Leva no começo, mas depois não há corrupção. Depois não há desvio do dinheiro e não há clientelismo. Isso é a mudança do aparelho de Estado. Como o SUS implica na área da saúde a mudança do aparelho de Estado. O programa de habitação implica também.
Temos outras dificuldades, por exemplo, nós temos o chamado Cadim, que é um cadastro dos que não estão em dia com o governo. E naturalmente as comunidades mais pobres são também as comunidades que tem mais, as prefeituras que muitas vezes têm dificuldades de estar em dia com suas contas porque leva um certo impasse, porque não se pode ajudar aquelas municipalidades porque elas estão com dívidas para com a União. Estamos tratando de resolver essas questões.
Há muitos problemas, mas nós estamos enfrentando com tranquilidade, com firmeza e com uma decisão calma nessa direção. Pois bem, o fato é que nós hoje já temos um começo de sensação de estabilidade. Talvez a maioria dos brasileiros não tenha nunca experimentado essa sensação de uma economia que não está assolada, minada pela inflação, que pode começar a calcular, pode aprender onde é que vai gastar, a ter um orçamento, o que fazer? Isso traz previsibilidade e de alguma maneira também isso facilita outros aspectos da tranquilidade nacional.
Eu me empenhei muito, como toda gente sabe, numa aliança partidária antes das eleições e mantenho esse meu ponto de vista. Ainda recentemente, ainda ontem fui almoçar com os líderes do PMDB. Leio nos jornais as razões as mais incríveis por que fui. Fui porque eu preciso do PMDB. Eu não, o Brasil precisa e o PMDB tem ajudado. Ajudou a estabilização, ajudou o Real. Fez a mesma coisa como outros partidos, como o PFL, como o meu próprio partido, como os partidos menores como o PTB. Por que isso? Porque eu acredito que seja fundamental para que nós transformemos o Brasil dentro de um ambiente de estabilização, de calma, que exista também uma convergência de opiniões e que exista uma sustentação às reformas que seja baseada na confiança recíproca.
Quantas vezes eu recusei hipótese de mudança de ministério, pela mesma razão. Não se melhoram as coisas mudando a toda hora. Melhoram-se as coisas cobrando-se, a própria sociedade cobrando, criticando, persistindo e também encorajando e também aplaudindo. Praticamente o ministério não mudou. Há quantos anos o Brasil não tinha uma experiência de governos democráticos em que os políticos existem com toda a sua legitimidade, que os partidos têm o direito de pedir espaço no governo, e não obstante o governo negocia e discute, explica e não muda porque acredita que vale mais a pena criar experiências mais constantes na administração pública, expectativas mais estáveis, embora seja possível aperfeiçoar aqui e ali. Não é uma questão de conformismo e muito menos temor do que possa acontecer com a mudança ou receio de que no Congresso repercuta de um jeito ou de outro. É mais profundo do que isso. A razão pela qual eu tenho uma atitude de prestigiar os ministros e não aceitar frituras -aliás, eu não sei cozinhar-, de modo que não vejo nenhuma razão para estar fritando quem quer que seja. Acredito que, pelo contrário, o que é importante é que haja uma sensação de que o país tem rumo, de que o país tem estabilidade não só na economia, mas tem também na política e a gente sente que hoje a população percebe que o Brasil tem rumo. E percebe também que ela começa a confiar em si própria e começa a confiar no Brasil.
É claro que em 96 nós temos um horizonte no qual nós precisamos ampliar algumas dessas dimensões que eu mencionei aqui. Nós temos que consolidar o Real. Isso é indiscutível e nós temos que investir para crescer. E crescer distribuindo a renda. Isso é uma coisa que eu acho que está bastante clara. O governo em 96 espera a continuidade com mais ímpeto do processo de crescimento econômico, através de investimento e aumentando a poupança.
A taxa de poupança do Brasil caiu a níveis insustentáveis. Há poucos anos era 13%, nos anos 70 chegou a 23%, 24%, nós agora estamos a 18% porque recuperamos um pouco, mas é pouco ainda. Nós temos que recuperar mais a poupança e o investimento.
Eu outro dia repeti a frase do escritor Barbosa Lima Sobrinho que, aliás, é bastante crítico de certos aspectos da política econômica e da minha política, mas que diz uma coisa que eu acho que é certa: o capital se faz em casa. Isso não quer dizer que nós fechemos, ao contrário, as portas ao capital estrangeiro. Pelo contrário, o ano passado nós tivemos US$ 3,5 bilhões de investimento direto pelos cálculos do Banco Central do Brasil. Nós vamos ter mais este ano e queremos mais este ano, mas o crescimento sustentado depende de aumentar a taxa de poupança interna do Brasil.
E nós precisamos reequilibrar as contas públicas daí as reformas. Houve -é bom que se diga com clareza- redução no nosso equilíbrio das contas públicas. Essa redução não foi muito grande no setor da União Federal, do governo federal. Nós tivemos superávit primário o ano passado. Temos este ano, mas o superávit operacional este ano é negativo. Não temos superávit operacional. E isso nos preocupa e nós vamos reverter essa situação.
Mais grave ainda é a situação nos Estados e municípios, onde houve um agravamento. Em termos comparativos com outros países, esse agravamento é muito pequenininho. Não serve de pretexto para dizer: ah! então os juros têm de subir. Não, não é isso, mas é uma preocupação de mantermos as nossas contas equilibradas. E as razões pelas quais é difícil obter esse equilíbrio nas contas públicas é porque nós precisamos fazer a reforma do Estado.
Por que nós precisamos fazer essa reforma do Estado e que relação tem isso com esse desequilíbrio?
É porque nós temos hoje uma situação em que pela primeira vez -e vocês têm o gráfico que mostra isso- apesar do aumento da carga tributária bruta, que passou de 16% em 86 para 20% agora na União e nos Estados também, bruta me refiro porque uma parte desses recursos dos Estados vai para a União, o que fica para o Estado é muito menos... vai para os Estados, perdão, parte dos recursos da União vai para os Estados, apesar do crescimento em termos reais da receita e os dados estão aí disponíveis, também houve tanto na Previdência Social quanto na União um certo desequilíbrio. Na Previdência nos preocupa. A carga tributária bruta chegou este ano certa de 30% do PIB e a receita da União cresceu 17%, mas vejam o que aconteceu com os benefícios pagamento de contribuição do INSS e o pagamento dos benefícios que estão na página 11 do texto que vocês dispõem aí, suponho eu, não tenho certeza. Vão verificar que nós estamos pagando mais do que arrecadando. Esse é o desequilíbrio da questão da Previdência. Quais são as causas do déficit? Tem aí um gráfico que mostra perfeitamente bem isso. É que, para a União, em termos de pessoal e encargos de pessoal nós passamos em 91 de 20 bilhões para este ano a 36 bilhões, sendo que o ano passado foi 28,4 bilhões. Houve um forte aumento de despesa com o pessoal. Quando se vê benefício da Previdência a mesma coisa: passou-se de 17 bilhões para 32 bilhões e do ano passado para este, de 94 para 95 de 25 para 32. São cerca de 6,5 bilhões mais 5,5, 11 ou 12 bilhões de aumento de despesa de 94 para 95 e juros passou de 8,5 para 11,9. O grosso do desequilíbrio não veio da taxa de juros, embora a taxa de juros seja alta e começou a declinar, já vou me referir a isso, e tende a cair mais, mas esse gráfico mostra muito bem que seria mais fácil se o grosso do desequilíbrio viesse da taxa de juros porque era só uma política monetária. Aqui não, é uma política de pessoal. É uma política com a Previdência, é uma política com os encargos e, naturalmente, para que nós possamos fazer face a isso nós precisamos das reformas.
Eu me alegro com acontecimentos recentes sobre a questão da reforma da Previdência e me alegro muito, espero que se concretizem, porque o que alguns países não estão conseguindo fazer e outros estão mergulhados em plena crise, nós aqui estamos conseguindo obter os apoios necessários não só a nível de Parlamento, mas a nível de sociedade sem que um contradiga o outro até porque o Parlamento ou ele é sensível à sociedade ou os setores do Parlamento que dela se isolam, meu Deus, fazem um papel que não é o melhor para a história. De modo que eu acho muito positivo que haja um entendimento nessa matéria.
Eu disse tantas vezes que a reforma da Previdência seria feita não para beneficiar o meu governo, não dá tempo. Essas reformas custam a se materializar. É para o país. O acordo havido até agora pelo menos sustentado por todas as centrais sindicais e eu espero que se mantenham assim e pela imensa maioria do Parlamento de agora por diante e pelo governo pode não ter resolvido todos os problemas da Previdência, mas se iludem os que pensam que foi um acordo simplesmente de mentirinha. Não foi. Foi uma coisa pensada, discutida, analisada e que se aumenta muito a responsabilidade daqueles que tomam a decisão, porque passam a saber que sem contribuição não pode haver aposentadoria nem benefício, porque acontece o déficit público, que aqui está demonstrado nesses números, e que o requisito de 35 anos ou de 30 anos de contribuição é um requisito até talvez mais justo que o mero tempo de serviço e que na verdade tem uma certa relação entre um e outro e, portanto, é um acordo positivo e um acordo que resguarda a crítica que no caso foi aceita de que eventualmente se fosse um mero limite de idade, isso poderia ferir interesses dos trabalhadores mais pobres. Aqui não, e por outro lado, se prestarem atenção ao acordo feito, verão que no que diz respeito ao sistema público, ele foi praticamente um acordo que garantiu uma transição muito mais favorável para as contas públicas que hoje estão sob a seguinte tensão: é que nós estamos passando de 44% para 46% a porcentagem do gasto de pessoal que vai para as aposentadorias, pensões e para os beneficiados em geral do sistema público. Isso inviabiliza em pouco tempo completamente não só as contas públicas como a própria capacidade do governo de honrar os seus compromissos.

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