São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996
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Hotéis 'inteligentes' confundem hóspedes

PAULA DIPERNA
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

A tela da TV estava piscando quando entrei no quarto do hotel. Era como um flash na escuridão. Cordial como o pessoal da recepção, ela parecia estar me esperando. "Bem-vinda, senhora DiPerna", a mensagem na tela dizia.
Informações relevantes ou não começaram a aparecer: como telefonar e passar fax para todos os cantos do planeta, conhecer a cidade em um carro alugado etc.
Havia instruções de todo tipo, exceto sobre como desligar a TV.
Eu pesquisei o painel do aparelho por um sinal, uma dica, um botão com a palavra "power" ou qualquer outro com a estampa de um raio ou lâmpada -esses supostamente infalíveis símbolos internacionais que agora substituem os antes inconfundíveis "on" e "off", traduzidos, quando necessário, para "auf" e "zu".
Mas não existia nenhum desligador aparente. Eu me vi tateando as paredes, procurando por um interruptor, mas não havia nenhum.
O que a TV deveria estar anunciando era: "Bem-vinda ao mundo dos quartos modernos de hotel, onde os equipamentos são incompreensíveis e as funções -antes simples- estão acima da sua competência."
Eu me dirigi para a cama onde estava um painel.
Ou aquilo ativaria um lençol vibrador ou teria alguma coisa a ver com as luzes. Toquei o painel e fiquei na expectativa. De repente, o banheiro clareou.
Eu inspecionei o meu (agora claro) banheiro procurando pelas conveniências básicas, como ganchos atrás das portas, lixeiras, um toalheiro alcançável por qualquer jogador de basquete.
Tudo estava lá, mas, oh, que torneira! Logo quando os britânicos chegaram finalmente ao século 20, no que diz respeito a encanamentos -com água quente e fria-, o resto do mundo mergulhou em um frenesi de torneiras.
Como um olho gigante, um largo círculo decorado com plástico dominava o registro. Puxar, empurrar, torcer ou girar? Nenhuma manobra produziu água.
Quantas vezes eu já me prostrei sob um chuveiro e simplesmente virei o registro para obter a água a uma temperatura razoável.
Eu decidi testar o registro do chuveiro antecipadamente.
A combinação vitoriosa era puxar o anel interior para controlar a pressão e girar o anel exterior para acertar a temperatura. Segura de novo, voltei minha atenção para a situação das luzes.
Sou totalmente a favor da economia de energia, mas qual é a lógica de ligar a chave do quarto computadorizado às luzes?
Tente sair à noite e a chave geral vai desligar as luzes.
Em seguida, procurei pelo controle remoto ao lado da cama, mas ele estava preso a um suporte -era tudo, menos remoto.
Imóvel, ele só poderia ser usado por uma pessoa que estivesse deitada na cama e que apontasse perfeitamente para o aparelho. A numeração de alguns botões chegava aos três dígitos, mas onde estava o "liga/desliga"?
Não havia qualquer símbolo reconhecível, exceto as flechas que apenas faziam as mensagens na tela irem mais depressa ou devagar.
Exausta, eu pressionei todo botãozinho no controle. Finalmente, aquele que não tinha nada escrito mostrou ser o elusivo "power".
Na manhã seguinte, me dirigi ao banho com confiança, inspirada no teste feito na noite anterior. De fato, o chuveiro estava perfeito, mas a confiança foi prematura.
Eu estava a ponto de encontrar um aparato novo para mim: o secador de cabelos com timer.
Tentei fazer o secador soprar. Ele não funcionou até eu checar as conexões na parede. Malfuncionamento, você pode dizer, ou apenas fiação pobre.
Nada disso. É apenas o absurdo de hotéis, num esforço de modernização, tentando aperfeiçoar o que não pode ser aperfeiçoado: uma cama ampla e limpa, cortesia, privacidade e equipamentos utilizáveis, que não exijam um processo de reeducação todas as vezes em que trocamos de hotel.
Alguns podem dizer que eu sou antiquada ou contra o progresso. Mas eu estive em incontáveis hotéis durante a minha vida -do mais luxuoso ao mais hediondo- e eu sabia como eles funcionavam.
Eu já tive que subir na cama para plugar meu computador no único soquete disponível para explicar a um estupefato gerente de hotel em Québec que a água do vizinho estava invadindo meu quarto.
Agora, quando me registro na recepção, estou preparada para ver coisas como o fax do meu vizinho impresso na tela da minha TV. Mas, decodificando a porta do frigobar, talvez eu consiga resolver mais esse problema.

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