São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
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Arafat enfrenta hoje novo teste para a paz

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

As eleições gerais de hoje, as primeiras da história controladas pelos palestinos, servem menos para a escolha direta de um novo Executivo e de um Conselho de 89 membros e mais para medir duas coisas essenciais para o futuro do processo de paz na região.
A saber: o grau de apoio popular às negociações com Israel e o nível de democracia interna.
Os grupos radicais que se opõem à paz (Hamas e Jihad Islâmica) se recusaram a participar do pleito e fixaram informalmente um máximo de 55% de comparecimento às urnas como vitória.
Neste capítulo, Iasser Arafat, 66, presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), tende a sair vitorioso.
Além de sua própria eleição para presidente estar virtualmente assegurada, o comparecimento às urnas deverá ser de 83,9%, conforme pesquisa do Centro de Mídia e Comunicações de Jerusalém.
Já no outro teste, as dúvidas são enormes. Para assegurar legitimidade à eleição e, por extensão, às instituições que dela nascerão, é preciso que o pleito seja considerado livre e justo pelos observadores internacionais.
Eles são 650, o mais notório dos quais é o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, presença habitual em eventos do gênero.
Carter, na sua primeira avaliação, foi crítico. "Candidatos independentes e de outros partidos não tiveram acesso aos meios eletrônicos, o que não é justo. Houve também um padrão de intimidação. Muitos dos mais destacados observadores de direitos humanos entre os palestinos, bem como conhecidos jornalistas, foram presos."
A Peace Watch, respeitada organização não-governamental israelense, prefere destacar luzes e sombras na eleição.
No lado positivo, entre outros aspectos, aponta o maciço e bem-sucedido esforço para alistar o maior número possível de eleitores, o fato de que os observadores tiveram "acesso bastante desimpedido" a todos os aspectos do processo e a ausência de discriminação política ou religiosa no registro de eleitores e de candidatos.
A face negativa tem dois lados: o técnico e o democrático. Como Carter, a ONG critica a intimidação pelos serviços de segurança, em nível local, o que incluiu prisões de acusados de distribuir material da oposição.
"Não temos nenhuma prova de que esse padrão é fruto de uma orientação superior, mas as autoridades palestinas toleraram o que está ocorrendo no nível local", diz Ziv Hellman, do Peace Watch.
Na parte técnica, a ONG critica o sistema distrital simples adotado pela ANP. Por esse método, um partido pode ter 51% dos votos em todos os 16 distritos, e, outro, 49% também em todos. Mas o que fica com 51% leva todos os assentos no Conselho, embora, claramente, o eleitorado esteja dividido praticamente ao meio.
O método permite "transformar uma pequena maioria em uma grande maioria", diz Daniel Polisar, diretor-executivo do grupo. O sistema é, por exemplo, o mesmo adotado no Reino Unido.
Ocorre que a Fatah, a ala liderada por Arafat, é a única inscrita em todos os distritos e contou com o apoio da máquina pública.
Tem, portanto, maior chance de ganhar maior número de distritos e obter, no Conselho, maioria superior à que as urnas vão indicar.
Salvo escândalos no dia da votação e, depois, na apuração, é pouco provável, no entanto, que os observadores internacionais cheguem aos extremos de impugnar ou santificar o pleito.
Carl Lidbom, ex-ministro da Justiça da Suécia e chefe dos 300 observadores da União Européia, antecipa o previsível tom do veredicto final: "São os primeiros passos para uma democracia, e é uma ilusão total acreditar que tudo sairá perfeito".
Segundo ele, "a questão é se as eleições serão razoavelmente livres e justas e não se serão totalmente livres e justas".

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