São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Colocando o direito reprodutivo em ordem

ELZA BERQUÓ

No Brasil, 75% da população depende exclusivamente do sistema público de saúde. Sendo o planejamento familiar um direito garantido pela Constituição de 1988, não cabe dúvida de que a grande maioria da população só poderá usufruir desse direito se ele fizer parte do conjunto de ações do Sistema Único de Saúde.
Daí a relevância da lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 -que veio regulamentar o exercício desse direito reprodutivo, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde, coibindo a utilização de ações para qualquer tipo de controle demográfico.
As instâncias gestoras do SUS, em todos os seus níveis, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todas as etapas da vida, que inclua como atividades básicas a assistência à concepção e contracepção, o atendimento pré-natal, a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, o controle das doenças sexualmente transmissíveis e o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis.
No que se refere à regulação da fecundidade, o fato de as mulheres não contarem até o momento, na rede pública, com informações e acesso a todos os métodos anticoncepcionais acabou por desenhar no país um cenário marcado apenas pela pílula -via de regra, comprada na farmácia sem prescrição médica- e a esterilização cirúrgica -método praticamente irreversível.
A falta de uma regulamentação quanto à esterilização cirúrgica tem levado, por outro lado, a um crescimento dos partos por cesárea, cuja prevalência coloca, infelizmente, o país na liderança mundial. Durante uma cesárea, na grande maioria das vezes sem indicação médica, o obstetra realiza a laqueadura tubária sem registrar esse procedimento na rotina hospitalar uma vez que, não estando a esterilização regulamentada, a cirurgia isoladamente não é coberta pelo Inamps.
Essa situação gerou a necessidade de pôr ordem no campo da saúde reprodutiva, o que se traduziu em um projeto de lei cuja tramitação teve início em 1991, por iniciativa de parlamentares de perfil progressista, em consultas a movimentos organizados de mulheres.
A CPI da Esterilização, instalada durante o período, documentou os riscos para a saúde das mulheres face aos abusos dessa prática conduzida de forma indiscriminada e clandestina.
Face ao exposto, é da maior importância que não se exclua da lei 9.263 os artigos que objetivam regulamentar a esterilização no país, em que pese o fato de que se espera seja sua prevalência reduzida tão logo o SUS implemente o acesso a todos os métodos anticoncepcionais.

Texto Anterior: RECONHECIMENTO; PERGUNTA INCÔMODA; POUCO USUAL
Próximo Texto: Ministério da Saúde e a esterilização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.