São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Balanço de risco

CELSO PINTO

O Banco Central acaba de contratar a empresa de auditoria KPMG Peat Marwick como auditora da parte "podre" do banco Nacional que ficou nas mãos do governo - e de onde virá a conta final para o contribuinte.
Seria rotina, não fosse o fato de a KPMG ter sido a auditora responsável por avalizar o róseo balanço do Nacional que tranquilizou seus clientes e acionistas dias antes de sua quebra, em novembro. A KPMG, maior empresa de auditoria do mundo, esteve, neste ponto, em boa companhia. Em junho, outro gigante internacional na área de auditoria, a Ernst & Young, havia dado seu endosso ao banco Econômico, pouco antes dele virar pó.
O próprio presidente do BÁ, Gustavo Loyola, num depoimento no Congresso, em novembro, sugeriu que as empresas de auditoria deveriam ser responsabilidas nos casos de balanços "maquiados". Ao usar seus serviços no Nacional "podre" , o BÁ acabou pré-julgando e inocentando a KPMG.
A KPMG, que avalizou a existência de um lucro de R$ 101 milhões no Nacional, de janeiro a setembro do ano passado, insiste que a situação do banco até então era sólida. Ele teria morrido quando os boatos posteriores levaram a uma corrida contra o banco.
Não foi essa, no entanto, a impressão do Unibanco. Ao examinar as contas do Nacional, antes de decidir comprá-lo, a direção do Unibanco calculou que existia um gigantesco buraco patrimonial de R$ 4 bilhões.
Pior sorte teve a Ernest & Young, que assegura ter cumprido à risca os procedimentos contábeis adequados no caso do Econômico. A culpa seria das regras, não da auditora.
Pode ser, mas ela terá que provar sua razão. O Conselho Regional de Contabilidade da Bahia decidiu, em agosto, abrir um processo inédito, ético e disciplinar, contra o contador e o auditor responsáveis pelos balanços do Econômico. Por razões legais, o processo é contra o funcionário, não contra a empresa de auditoria, mas as implicações para a Ernest & Young são óbvias.
A Comissão Especial criada pelo Conselho já concluíu o parecer técnico. O presidente da Comissão, Fernando José Villas Boas, sem pré-julgar, diz que o fundamento do parecer foi que, quando foi concluído o balanço semestral, em junho, era evidente o forte endividamento do Econômico junto ao BÁ e a bancos oficiais e privados. Seu patrimônio líquido, na época, respondia por apenas um quinto do endividamento. Nestas circunstâncias, o auditor teria que ter feito uma ressalva no balanço sobre os problemas para a continuidade do banco.
O processo vai agora para a Câmara de Ética do Conselho, onde será aprovado ou não, ouvidos os acusados. Se forem condenados, o contador e o auditor podem sofrer penas que vão da advertência à censura, pública ou privada. Além disso, poderão sofrer um processo disciplinar que prevê penas pecuniárias que vão até pouco mais de R$ 2 mil.
Mais importante é que, se houver condenação, ela poderá ser usada para reforçar eventuais processos de clientes ou acionistas, (ou contribuintes, já que a fórmula de venda do banco repassou a conta final para o BÁ), que se sentiram prejudicados com a quebra do Econômico. Neste caso, e somente neste caso, uma grande empresa de auditoria acabaria sujeita, pela primeira vez no Brasil, ao risco de responder, no tribunal, pela integridade de seu trabalho.
Isso já virou rotina nos países desenvolvidos. O mais espetacular processo deste tipo é o que envolve a Price Waterhouse, auditora do banco BÁCI, um poço de fraudes bilionárias. É um processo que envolve bilhões de dólares e que poderá vir a ser um golpe duríssimo na Price.
No Brasil, as grandes empresas de auditoria só colocaram esta preocupação na agenda depois das quebras do Econômico e do Nacional, no ano passado. Todas estão mais cautelosas, especialmente as duas maiores, a Price e a Arthur Andersen.
Um exemplo. Um grande conglomerado tinha uma de suas empresas auditada por uma grande auditora e o resto do grupo por outra. Esta gande auditora insistiu que só manteria o contrato se ficasse responsável pelo grupo inteiro e sugeriu que usaria de todo o rigor técnico. Perdeu o contrato para a auditora do resto do grupo, mas ganhou uma dose a mais de tranquilidade.
Obviamente é um equívoco supor que a culpa exclusiva é das empresas de auditoria. Nos casos do Econômico e do Nacional, houve enorme leniência da fiscalização do BÁ - como, aliás, admitiu Loyola no mesmo depoimento, ao anunciar sua disposição de reformulá-la. Por razões fiscais, por exemplo, empréstimos inadimplentes só são considerados como tal pelos bancos depois de uma longa cobrança judicial.
Também é verdade, contudo, e não apenas no caso dos bancos, que muitos balanços no Brasil são uma peça de ficção com a co-autoria dos auditores.

O colunista CELSO PINTO escreve aos domingos, terças, quintas e sextas-feiras neste espaço.

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