São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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'Governo cedeu mais do que a CUT no acordo'

Só desembargadores e deputados não gostam da proposta para a Previdência
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Folha - No acordo da Previdência Social, quem cedeu mais, a CUT ou o governo?
Vicentinho - Acho que o governo cedeu e cedeu muito. O governo queria criar um sistema efetivamente contributivo e depois ficou se apegando apenas ao termo.
O governo queria estabelecer o limite de idade de 60 anos, depois cedeu e apresentou a proposta de 40 anos de contribuição. Depois, acabou aceitando os 35 anos. O governo queria também colocar homens e mulheres nas mesmas condições e acabou colocando a mulher com aposentadoria com 30 anos de contribuição.
O governo concordou também com a administração quadripartite da Previdência, proposta nossa. Ficou garantido aos trabalhadores em condições de insalubridade ou periculosidade o direito de manter aposentadorias especiais.
Outra conquista importante foi manter a aposentadoria por idade para os trabalhadores rurais.
Folha - E com relação aos professores?
Vicentinho - No caso do professorado, eles cederam, pois aceitaram manter a aposentadoria especial para o 1º e 2º grau. Mas a CUT ainda quer e vai insistir na aposentadoria especial para os professores universitários.
Folha - Quem perdeu? O funcionário público?
Vicentinho - Eles só perderam aquilo que estava mais do que para nós é ético, como a questão da licença-prêmio. O trabalhador do setor público, por exemplo, quando tem direito a três meses de licença-prêmio, transforma esse tempo no dobro para contagem para o tempo de serviço para aposentadoria.
Isso acabou, e nós concordamos, pois, nesse caso, nem contribuiu nem trabalhou. E, aí, sinto muito. É uma questão muito séria, ética. Nós não podemos justificar porque alguns, ao se aposentar, ganham mais, e outros, por outro lado, tenham redução de salários. Para o setor público ia ser muito pior caso fosse aprovado o sistema único de Previdência, defendido pela CUT, do que o acordo feito com o governo.
Folha - A proposta da CUT é pior para o funcionalismo?
Vicentinho - A proposta da CUT para o setor público, se fosse aprovada, aí é que a gente estava apanhando. Essa proposta foi definida nas instâncias da central, quando ninguém falou nada.
As pessoas não estão acostumadas que as propostas da CUT, porventura, possam acontecer, e aí reagem, umas com insegurança, outras com medo, outros com desconfiança. As pessoas não confiam no taco, no novo caminho, de ser uma oposição moderna, reabrir princípio, de buscar assumir co-responsabilidade, buscar soluções. Não podemos só dizer não.
Folha - Por que a proposta da CUT seria pior?
Vicentinho - Pela proposta da CUT, o piso (dos servidores) seria menor e talvez muita gente que não paga teria de contribuir efetivamente. A grande massa paga direitinho. E essa grande massa está contemplada. Quem está puto da vida são os desembargadores, os deputados, esses segmentos de aposentadorias altíssimas.
Folha - Os sindicatos de funcionários públicos da CUT que criticaram o acordo erraram?
Vicentinho - Os funcionários públicos criticaram a proposta e com razão. Nesse caso, há problemas que nós queremos continuar discutindo. Um dos problemas é que nós não aceitamos que haja limites para a aposentadoria em termos de idade. Se contribuiu, contribuiu. Mas eles erraram quando se manifestam como se fosse um caso consumado. Há entendimento, mas não há consumação. Pois, ao chegar ao entendimento, você deve levá-lo para a discussão nas instâncias.
Folha - E as categorias com aposentadorias especiais, perdem?
Vicentinho - A gente não pode concordar que uma secretária da Petrobrás, que trabalha sem risco algum, receba a mesma coisa do que um petroleiro com alto risco, que trabalha no mar. Isso é privilégio, e nós é que pagamos.
Folha - O trabalhador da economia informal não sai perdendo quando a aposentadoria por tempo de serviço é extinta?
Vicentinho - Não. O trabalhador informal ou é autônomo e paga sua contribuição, ou a empresa na qual ele trabalha não assina a carteira e não paga a contribuição. Hoje, se ele conseguir provar que trabalhou nesse empresa, ele recebe aposentadoria. Isso continua assim pelo nosso acordo e vai para o texto constitucional. O nosso acordo, em relação à legislação atual, traz até avanços. Há a possibilidade de ter contribuições simbólicas dos desempregados para contar esse período no qual ele está desempregado como tempo de contribuição.
Folha - Há na CUT quem diga que o acordo não acrescenta direitos ao trabalhador frente ao que existe hoje, só tira. Até os trabalhadores do setor privado perdem a aposentadoria proporcional.
Vicentinho - A aposentadoria proporcional... Não chegamos a acordo sobre isso. Vamos continuar lutando por ela. A nossa proposta não se resume a oito pontos, é um documento de 66 páginas. Os outros pontos como esse nós vamos continuar debatendo. O Congresso, onde o governo manda, estava bem armado, havia ameaças reais de tirar direitos. Nossa reação foi garantir direitos e obter conquistas. Impedir que o dinheiro da Previdência vá para o Ministério da Economia, isso é uma vitória. Conseguimos a aposentadoria complementar pública, é um avanço. Economizar aposentadorias imensas, de pessoas que se aposentam com oito, nove anos, que nós pagamos, isso é uma vitória.
Não podemos comparar com o que é hoje. Devemos comparar com a ameaça que pairava antes.
Folha - A proposta que a CUT defendia previa teto do benefício de 20 vezes o piso -um salário mínimo- para o setor privado. O teto ficou em dez pisos. Não houve recuo?
Vicentinho - Nós propúnhamos um sistema único para a Previdência, para o setor privado e público. Com o teto de 20 vezes o piso, queríamos evitar que os trabalhadores do setor público tivessem prejuízo. O setor privado ficou com teto de dez, o que é razoável visto que o governo queria teto de três pisos. E o setor público ficou sem teto, ficou para se discutir.
Folha - Se o acordo é tão positivo, por que a celeuma? Por que deputados do PT estão bravos?
Vicentinho - Depois da negociação com o governo, eu, na minha simplicidade (risos), fui ao Congresso dizer: "Gente, olha só o passo que nós demos! Vamos fazer disso um grande ponto para todos nós, para mostrar para o Brasil". Eu falei com um entusiasmo tão grande para aqueles deputados... E eles começaram a falar. Pelo amor de Deus! Aí não é só o PT, mas deputados em geral, inclusive do PT. Aí, eu comecei a perceber que nós podemos ter errado na comunicação.
Folha - Após o acordo, o PT, enquanto oposição a FHC, perdeu sua bandeira principal, a da aposentadoria por tempo de serviço, em um ano eleitoral. Isso não é ruim para o partido?
Vicentinho - Não é só o PT, mas também deputados de outros partidos. Havia deputados, de outros partidos de direita, que estavam putos também. É provável que, em um ano eleitoral, tenha esse tipo de influência, tanto por parte do governo quanto por parte dos deputados. Mas o fundamental, independentemente dos interesses, não é o motivo para continuar a briga, mas a solução da briga.
Se você conquista o objetivo, não há mais a causa da briga. Eu não estou preocupado em quem é o pai da criança. Além disso, é preciso que a oposição tenha criatividade -debater reforma fiscal e tributária, luta por emprego, debater política salarial. O salário mínimo, por exemplo, o presidente está negando aumento.
Folha - O Lula, expressão máxima do PT, estava articulando uma frente pela aposentadoria por tempo de serviço. Ele não fica em situação difícil? A fala do Lula sobre o acordo era irada, chamando FHC de mentiroso.
Vicentinho - Acho que aí o Lula tem razão. Pois tem as espertezas. Quando chega esse processo, o presidente já quer um fato consumado. Também não é assim. Tudo ainda terá de ser discutido. Nós vamos continuar batendo muito firme, e não vamos abrir mão da questão da aposentadoria proporcional no setor privado. Veja bem, nesses pontos, houve entendimento, mas não aprovação, porque continua o debate. Nós vamos agora ao Congresso pedir coisas que a gente não conquistou. Aliás, está mantido todo o calendário de mobilização da CUT, inclusive as paralisações no dia 30.
Folha - Você não acha estranho que o governo tenha habilmente atropelado as negociações no Congresso e ido negociar diretamente com as centrais?
Vicentinho - Não havia negociação no Congresso, mas somente um rolo compressor, voto. E o governo foi hábil a ponto de buscar caminhos. Ele sentiu a situação na França. Ele sentiu que a gente tinha marcado protestos e manifestações. E, em função das manifestações marcadas, a gente obteve conquistas. E a gente se mobiliza não é para conquistar? Eu acho que a gente poderia até estar mais juntos com os deputados. Mas eu posso me violentar se eu tiver que, ao tomar uma posição, perder minha autonomia. Isso será uma violência profunda ao meu jeito de ser, minha concepção. O meu limite são as decisões democráticas e os princípios da central. E uma central deve negociar.

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