São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 1996
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Ciro e seu guru buscam novo eixo de poder

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O tucano Ciro Gomes, 38, já começou a articular sua aproximação do ex-presidente Itamar Franco, de quem foi ministro da Fazenda. Pretende com isso encontrar uma saída partidária para viabilizar sua aspiração de suceder Fernando Henrique Cardoso.
Mesmo dizendo que não sai do PSDB e hesitando em assumir sua candidatura, Ciro vê em Itamar um forte aliado para fundar um novo partido. Acha que o ex-presidente poderia ser um bom candidato ao governo de Minas Gerais.
A idéia foi exposta em entrevista à Folha, na última sexta-feira, pelo intelectual pedetista Roberto Mangabeira Unger, 48, professor titular da Universidade de Harvard (EUA), na presença de Ciro. Ambos estão no Brasil para lançar o livro "O Próximo Passo - Uma Alternativa Prática ao Neoliberalismo", escrito em parceria.
Na divisão das tarefas intelectuais e políticas, Ciro ataca FHC e diz que o governo é uma "confusão", enquanto Mangabeira fala aquilo que seu novo afeto político e provável candidato ainda não deve falar. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Qual o propósito de suas críticas ao governo?
Ciro Gomes - Quem percebe a necessidade de reformas profundas no Estado brasileiro tem de ter coragem de enfrentar os conflitos. Não se muda a velha ordem sem enfrentar os interesses que se beneficiam dela.
O Fernando Henrique Cardoso acredita que esse conflito pode ser desarmado por uma habilidade fantástica, que ele de fato tem, por uma disposição negociadora que é muito ao gosto da cultura política brasileira. Não é possível construir o novo negociando com o velho.
Folha - Sua ruptura com o PSDB não é, então, inevitável?
Ciro - Minha posição é claramente desconfortável. Sou experimentado e sei que, quando um político atua, as pessoas se vêem testemunhando um projeto de poder, no caso, antagônico ao projeto que está aí.
Gostaria de ser interpretado como alguém que deseja que o governo acerte. Calado, não ajudo.
Folha - O senhor admite que é candidato à sucessão de FHC?
Ciro - Não há como eu escapar de ser franco nessa questão. Aprendi que ninguém é candidato de si próprio.
O que você pode fazer se há uma aspiração legítima de se credenciar, de estar disponível para que o arranjo de forças de determinada conjuntura lhe possa considerar essa chance?
Você pode se manter íntegro, estudar, se preparar, não fazer conciliações que lhe comprometam, preservando um perfil que seja respeitado. Isso eu faço. Mas estou vendo qual é o cenário. O vento é a favor do governo, as possibilidades de reeleição do Fernando Henrique são completas, e eu não me antagonizarei com ele. Não vou sair do partido.
Folha - Ninguém acredita.
Ciro - O que eu posso fazer? Não acreditaram que eu não seria candidato ao Senado quando as pesquisas me davam como eleito. Eu não fui. Disse que ia parar para estudar e fui. Seria desonesto se eu dissesse que não quero ser candidato a este ou àquele cargo.
Folha - Professor Mangabeira, o senhor aposta na candidatura de Ciro Gomes?
Mangabeira Unger - O primeiro passo é formular um ideário antagônico a este que está representado pelo governo. Hoje, as forças de oposição estão dispersas no PT, PDT, PMDB e no PSDB.
Formulado um ideário, ele precisa ser realizado por uma aliança entre o centro e a esquerda, que se oponha à atual aliança governista, de centro-direita.
Acho que deve haver duas vertentes dentro da oposição. Uma é a das esquerdas, e o PT e o PDT devem ter um candidato único, que até pode ser o Lula. A outra candidatura, de centro-progressista, a meu ver, deve ser de Ciro Gomes. A base partidária dessa segunda candidatura pode ser o PSDB, se ele julgar que só pode realizar o seu programa rompendo a aliança com a direita.
Mas pode ser também outra sigla se o PSDB continuar rendido à direita e empurrar o Ciro para fora dele. O doutor Itamar Franco está sem partido, e eu imagino que queira continuar participando da vida pública. Pode ser candidato ao governo de Minas. Quem sabe se a solução partidária de Itamar Franco não sirva também ao Ciro?
Folha - Ciro Gomes gosta dessa idéia?
Ciro - Isso tem uma lógica, mas eu tenho que me excluir de ser um agente tipificador disso. O professor não conhece a especificidade das resistências no plano pessoal que eu desperto.
A minha animosidade com o PMDB é profunda e acho que invencível. Acho importante que a idéia seja preservada. Agora, o agente disso é consequência do processo.
Folha - Ao contrário do que o senhor diz, a maioria das pessoas avalia que o governo tem um projeto muito claro. Alguns discordam do rumo tomado, mas admitem que ele existe.
Ciro - Projeto de governo não é igual a projeto de poder. Este, o Fernando Henrique tem, e é muito forte. Difícil até de ser examinado moderadamente. Cheira a censura o que está acontecendo no Brasil.
Esse alinhamento geral, que chega ao ponto de o Lula dizer que o Fernando vai se reeleger, é muito perigoso. Se um presidente da estatura da sua biografia afirma que nega o modelo neoliberal e que o modelo é outro, ele tem que mostrar qual é. Um ano depois, eu não sei o que eles estão fazendo. Se fosse neoliberal, seria até mais simples.
O que vejo é uma enorme confusão dentro do governo, e eu sei quem são os protagonistas dessa confusão.

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