São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 1996
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Secretário de Covas diz que MST precisa se modernizar

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ainda está "empregando tática e liguagem da época da ditadura".
É o que diz o secretário de Justiça de São Paulo, Belisário dos Santos Júnior, 47, que conduz o programa de reforma agrária do governo Mário Covas (PSDB).
Para ele, o MST se preparou para o crescer, "mas não para a vinda da reforma agrária". Belisário avalia que "a reforma agrária clássica está superada" e que "o MST está perdendo oportunidade de atualizar sua linguagem".
Ex-militante de esquerda durante o regime militar (1964-1965), Belisário considera improcedente a crítica dos sem-terra de que o governo não cumpriu sua promessa ao instalar 1.050 famílias no Pontal do Paranapanema (extremo oeste do Estado). Leia a seguir trechos da entrevista à Folha:
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Folha - Como o sr. vê o fato de o MST dizer que houve trapaça do governo ao dar 1.054 lotes provisórios no Pontal?
Belisário dos Santos Jr. - É improcedente. Em setembro, após consultar sem-terra e fazendeiros, fizemos um plano. Primeiro, assentar em lotes definitivos quem já estava em lotes provisórios. Segundo, fazer assentamentos provisórios em áreas a serem conquistadas por acordo ou liminares. Isso está na proposta de setembro. Em novembro, o governador foi ao Pontal e deu prazos para cumprir a proposta de assentar 2.101 famílias em etapas. Foi feito. Assentamos 261 famílias em lotes definitivos e 1.054 em provisórios. Não tinha outra forma de ser.
Folha - Os sem-terra dizem que por assentamento entendem lotes definitivos e admitiram ter errado por ter o acordo escrito.
Santos Jr. - O MST teve interpretações curiosamente diferentes em todos os itens. O governador pediu que não fizessem mais invasões na usina da Cesp. Eles nunca saíram da Cesp.
Folha - O sr. acha que o MST tem interesse em não ver solucionada crise no Pontal?
Santos Jr. - Acontece que eles se assustaram com o cumprimento da promessa. O governo que mais tem mostrado vontade de fazer a reforma agrária é o que está enfrentando o maior número de ações do MST. Fleury só fez uma ação reinvidicatória de terras e não houve essa pressão. Parece que o MST estava preparado para o crescimento do movimento, mas não para a vinda da reforma agrária.
Folha - O movimento está mais preocupado em crescer?
Santos Jr. - Eles deviam consagrar 1996 como o ano do assentamento, do 'produzir'. É lema do MST. Esse é o segundo verbo que sempre mencionam.
Folha - Não conjugam?
Santos Jr. - Nós queremos que os assentamentos se transformem em unidades eficientes de produção, associados à iniciativa privada. A reforma agrária clássica está superada. Nos assentamentos, é preciso haver entrosamento entre produção e comercialização em formas modernas. Levar a agroindústria. Por isso, é injusto eles dizerem que jogamos as famílias numa campina, sem infra-estrutura.
Vamos criar estratégias para que o assentado produza de forma associativa ou em cooperativa.
Folha - Em parte, esse também é o discurso do MST.
Santos Jr. - Em conversa reservada, eles concordam. Mas, publicamente, quando o governador convida para uma parceria, o MST transforma tudo em antagonismo.
Folha - Qual é a garantia que o sr. dá de que os assentamentos provisórios não vão se perpetuar em favelas no campo?
Santos Jr. - Estamos desfavelizando o campo. Assentamos em lotes definitivos 261 famílias, onde estavam 725. Os assentamentos provisórios são uma situação em marcha. É o processo inicial.
Folha - Mas os fazendeiros, que ocupam terras públicas, podem cassar as liminares que garantiram 30% das terras para os lavradores em 11 fazendas.
Santos Jr. - Essa possibilidade é remota. A Justiça reconheceu o direito do Estado, que se baseou no fato de as terras serem públicas e na questão emergencial.
Mas, se o MST invadir os 70% restantes, seria uma atitude grave e irresponsável. Pode alterar a disposição da Justiça. Não vejo lógica em invadir depois que assentamos.
Folha - Como o governo reagiria, se o MST invadir?
Santos Jr. - O governo tem estratégias jurídicas. O fazendeiro pode pedir a reintegração de posse. Ela seria concedida.
Folha - E a polícia iria lá, acompanhar ou intervir?
Santos Jr. - Claro.
Folha - No fim de 96, os novos assentados ainda estarão em lotes provisórios?
Santos Jr. - Essa é a visão da direção do MST, que nunca se preocupou com as decisões do Judiciário. O assentado está na terra, mais preocupado se vai poder plantar, se vai ter verbas e técnicos apoiando. A preocupação com o caráter provisório das liminares é da direção do MST.
Folha - O MST diz que as famílias foram pressionadas a aceitar os lotes provisórios?
Santos Jr. - O MST partiu da premissa falsa de que perde com os assentamentos. O MST está perdendo grande oportunidade de atualizar sua linguagem. Estão usando linguagem ultrapassada, de confronto, como se estivesse enfrentando governos da ditadura. Pelas últimas declarações, acho que o MST não quer abrir mão das invasões porque isso gera impacto.
Folha - Ao assentar às pressas no limite do prazo, o sr. "sinucou" o MST?
Santos Jr. - Ficaram na sinuca porque apostaram no fracasso do assentamento. Apostaram no pior. Eles estão empregando tática e liguagem da época da ditadura. Por que retomar invasões no único Estado cujo governo tem um plano de reforma agrária? Fizemos várias desocupações e não tivemos um conflito. Atuamos dentro de uma política de direitos humanos. Isso, longe de tirar a bandeira do MST, libera o movimento para se ocupar de outras táticas.
Folha - O MST arregimentou mais famílias no Pontal, além das 2.101. Como invadir é princípio do movimento, o sr. está preparado para isso?
Santos Jr. - O MST confunde tática e estratégia. Invadir não pode ser estratégia. Se um governo se dispõe a agir, a tática tem de ser outra. É curioso o MST dizer que o cumprimento de uma meta do governo divide o movimento.

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