São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1996
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Travolta e Belafonte travam duelo de atores em "A Cor da Fúria"

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Filme: A Cor da Fúria
Direção e roteiro: Desmond Nakano
Produção: EUA-França, 1995
Elenco: John Travolta, Harry Belafonte e Kelly Lynch
Estréia: hoje nos cines

Num artigo para "The New Yorker" sobre a ressurreição profissional de John Travolta pós-"Pulp Fiction", o escritor britânico Martin Amis explica minuciosamente o impacto positivo do encontro com a turma de Quentin Tarantino para a carreira do ator. Amis não cita "A Cor da Fúria", produzido por Lawrence Bender, o braço direito de Tarantino. Desperdiçou talvez seu melhor exemplo.
O título em português aproxima de Spike Lee e similares um estranho drama que supera longe o esquemático conflito racial que parece propor. Pouco melhor, pelo tom irônico, seria o original, "O Fardo do Homem Branco", pinçado de Kipling pelo bacharel em letras Desmond Nakano, jovem diretor e roteirista nipo-americano.
"A Cor da Fúria" começa como o pesadelo de um líder da Ku Klux Klan. Nakano inverte os estereótipos socioculturais de brancos e negros nos Estados Unidos de hoje.
Poder e riqueza concentram-se na comunidade negra, representada pela família Thomas, cujo chefe Thaddeus (Belafonte) pilota já à distância um império na indústria de alimentos.
Pobreza e submissão tornam-se assim coisa de branco, que tem por símbolo a esforçada família Pinnock, em que o casal Louis e Marsha (Travolta e sua esposa real Kelly Lynch) faz tudo para sustentar os dois filhos pequenos.
Nesta nova América de Nakano, a TV é dominada pelo padrão negro de beleza, bares e sarjetas são endereços de brancos miseráveis, a Benetton da hora faz seus anúncios paternalistas em cima de uma revoada de alvas crianças.
Ficasse nisso, "A Cor da Fúria" seria apenas uma fábula simplista sobre as relações raciais. Felizmente o exercício inicial de ficção sociológica põe em movimento um duelo de atores de rara intensidade.
Um incidente idiota faz Pinnock perder o emprego na fábrica Thomas. Thaddeus nem ouve suas súplicas, os Pinnock são despejados e Louis não consegue se reerguer.
O filme engrena quando Louis assalta Thaddeus à porta da mansão cobrando seus direitos. O sequestro involuntário confronta Belafonte e Travolta.
Esquece-se toda a alegoria pelo prazer de um bom embate de atores. Belafonte é todo elegância e sutileza, enquanto Travolta enfeia-se e brutaliza-se para compor um pobre desesperado. Nunca estiveram melhor. Nakano soube explorar a eletricidade desse encontro e amarra tudo com sensibilidade. Mais um talento se une a gang de Tarantino.

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